São Paulo, quinta, 28 de janeiro de 1999

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INCULTA & BELA

A forma da forma

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Na semana passada, conversamos sobre o acento diferencial de timbre. Vimos que esse acento era usado para distinguir o grau de abertura da vogal de palavras homógrafas (escritas com as mesmas letras), como seco, adjetivo, que se escrevia "sêco", e seco, do verbo secar. Como já vimos, esse acento foi eliminado em 18 de dezembro de 1971 pela lei 5.765. Essa reforma ortográfica não agradou a todos. Há quem concorde com a eliminação dos diferenciais de timbre, desde que se aumente -e bem- a lista de exceções. E há quem pregue a eliminação radical. O fato é que a questão do diferencial mostra com clareza o resultado de não termos quem regule esses problemas. O "Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras" registra apenas a grafia "forma", para qualquer significado. O dicionário "Aurélio", que, no Brasil, tem, na prática, força de lei, registra "fôrma". Concordo com todos os argumentos do "Aurélio" para defender a manutenção do acento em "fôrma", mas, para a lei estrita, não existe "fôrma". Será que um dicionarista tem o direito de grafar as palavras como bem lhe parece? Não podemos ser hipócritas e imaginar que isso não cause nenhum problema. É claro que causa. Basta que algum examinador desocupado inclua a palavra na prova de português de um vestibular ou de qualquer concurso público para que alguém seja prejudicado. Como deve agir o pobre candidato? Leva em conta o "Vocabulário Ortográfico", que representa a lei, ou o "Aurélio", que tem força de lei e frequentemente é usado para solucionar questões? A própria Fuvest, que faz o vestibular da USP (Universidade de São Paulo), foi obrigada a aceitar duas respostas para uma questão (plural de "pombo-correio") por causa do dicionário "Aurélio". E como age nesses casos quem simplesmente escreve um texto -um documento, um relatório, por exemplo? Sugiro à ABL (Academia Brasileira de Letras) que discuta esses problemas. E outros semelhantes -o da palavra "encapuzado", por exemplo. O Vocabulário da ABL e alguns dicionários - "Aurélio" e "Michaelis Melhoramentos", por exemplo- não admitem a forma "encapuçado". Mas algumas obras respeitáveis -o dicionário do professor Silveira Bueno, por exemplo- dão "encapuzado" e "encapuçado" como variantes. Não é por acaso que muita gente acaba achando que português é mesmo uma loucura. Pois é. A forma da forma é mesmo um caso complicado. Com a palavra, a ABL. E quem mais quiser participar da discussão. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail: inculta@uol.com.br



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