São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2004

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MOACYR SCLIAR

O Grande Divórcio Comunitário

 Casamento comunitário em São Bernardo do Campo une 925 casais. O evento, que foi organizado pelo Programa Escola da Família, da Secretaria Estadual da Educação, foi o primeiro da região do ABC e o segundo maior do Estado. No dia 15 de fevereiro, cerca de 8.000 pessoas estiveram presentes ao que foi o maior casamento comunitário do mundo, no ginásio do Ibirapuera (zona sul da capital). No total, 1.434 casais se uniram e 5.000 pessoas participaram como convidados.
Cotidiano, 21.jun.2004

Um grande casamento comunitário é um evento pitoresco e sob muitos aspectos comovente. Não são poucas as pessoas que ficam com lágrimas nos olhos ao verem as fotos dos casais, centenas de casais, unindo suas vidas.
Não é o caso de Manfredo. Manfredo não se emociona com os casamentos comunitários. Ao contrário, odeia-os; não passam de uma farsa, como farsa é o casamento em geral.
Manfredo garante que fala por experiência própria. Foi casado cinco vezes, e cada um de seus casamentos terminou mal, com bate-boca e agressão física. Manfredo jura que nunca mais vai casar. Mais que isso, lidera um movimento contra o matrimônio. Não apenas quer impedir que as pessoas casem; quer que os casados se divorciem, de preferência em massa, sepultando de vez a instituição matrimonial na lata de lixo da história.
O sonho de Manfredo é o Grande Divórcio Comunitário, que funcionará como o oposto aos casamentos comunitários e acabará de vez com estes. O que Manfredo quer é reunir casais que estão em via de se separar e consumar o divórcio dessas pessoas num grande recinto -o ginásio do Ibirapuera seria um bom lugar. Os casais, insultando-se e trocando tapas, entrariam em uma grande fila pelo portão principal; seriam recebidos por um juiz, que consumaria a separação. Depois, os recém-separados recitariam em conjunto o Juramento dos Divorciados, uma longa diatribe anticonjugal terminando com as palavras "Casamento, nunca mais". A cada uma dessas pessoas, Manfredo, homem rico, ofereceria uma lembrança dessa data festiva; mais, pensa em mandar imprimir o Livro dos Divorciados, com fotos e depoimentos.
Sim, Manfredo tem o plano pronto na cabeça. Por que então não o põe em prática?
Por uma única razão: ele sabe que o casamento é uma espécie de doença, insidiosa, crônica. Quando menos se espera, a pessoa tem uma recaída. E ele teme que isso aconteça exatamente na cerimônia do Grande Divórcio Comunitário. Um homem, que acaba de se separar, olha para o lado, vê uma linda jovem, também recém-divorciada. Apaixonam-se e unem-se -num grande casamento comunitário, claro. Pior: comparecem a um programa de auditório e agradecem a Manfredo a oportunidade que lhes proporcionou de, enfim, descobrirem o verdadeiro casamento.
Uma coisa que Manfredo não poderá suportar. E é por isso que ele adia constantemente o Grande Divórcio Comunitário. Que só se realizará quando as pessoas forem inteiramente fiéis. Não fiéis umas às outras. Fiéis à grandiosa idéia do divórcio.


Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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