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MOACYR SCLIAR
O Grande Divórcio Comunitário
Casamento comunitário em São Bernardo do Campo une 925 casais. O
evento, que foi organizado pelo Programa Escola da Família, da Secretaria Estadual da Educação, foi o
primeiro da região do ABC e o segundo maior do Estado. No dia 15 de
fevereiro, cerca de 8.000 pessoas estiveram presentes ao que foi o maior
casamento comunitário do mundo,
no ginásio do Ibirapuera (zona sul
da capital). No total, 1.434 casais se
uniram e 5.000 pessoas participaram
como convidados.
Cotidiano, 21.jun.2004
Um grande casamento
comunitário é um evento pitoresco e sob muitos aspectos comovente. Não são poucas as pessoas que ficam com lágrimas nos
olhos ao verem as fotos dos casais,
centenas de casais, unindo suas
vidas.
Não é o caso de Manfredo.
Manfredo não se emociona com
os casamentos comunitários. Ao
contrário, odeia-os; não passam
de uma farsa, como farsa é o casamento em geral.
Manfredo garante que fala por
experiência própria. Foi casado
cinco vezes, e cada um de seus casamentos terminou mal, com bate-boca e agressão física. Manfredo jura que nunca mais vai casar.
Mais que isso, lidera um movimento contra o matrimônio. Não
apenas quer impedir que as pessoas casem; quer que os casados
se divorciem, de preferência em
massa, sepultando de vez a instituição matrimonial na lata de lixo da história.
O sonho de Manfredo é o Grande Divórcio Comunitário, que
funcionará como o oposto aos casamentos comunitários e acabará
de vez com estes. O que Manfredo
quer é reunir casais que estão em
via de se separar e consumar o divórcio dessas pessoas num grande
recinto -o ginásio do Ibirapuera
seria um bom lugar. Os casais, insultando-se e trocando tapas, entrariam em uma grande fila pelo
portão principal; seriam recebidos por um juiz, que consumaria
a separação. Depois, os recém-separados recitariam em conjunto
o Juramento dos Divorciados,
uma longa diatribe anticonjugal
terminando com as palavras "Casamento, nunca mais". A cada
uma dessas pessoas, Manfredo,
homem rico, ofereceria uma lembrança dessa data festiva; mais,
pensa em mandar imprimir o Livro dos Divorciados, com fotos e
depoimentos.
Sim, Manfredo tem o plano
pronto na cabeça. Por que então
não o põe em prática?
Por uma única razão: ele sabe
que o casamento é uma espécie de
doença, insidiosa, crônica. Quando menos se espera, a pessoa tem
uma recaída. E ele teme que isso
aconteça exatamente na cerimônia do Grande Divórcio Comunitário. Um homem, que acaba de
se separar, olha para o lado, vê
uma linda jovem, também recém-divorciada. Apaixonam-se e
unem-se -num grande casamento comunitário, claro. Pior:
comparecem a um programa de
auditório e agradecem a Manfredo a oportunidade que lhes proporcionou de, enfim, descobrirem
o verdadeiro casamento.
Uma coisa que Manfredo não
poderá suportar. E é por isso que
ele adia constantemente o Grande Divórcio Comunitário. Que só
se realizará quando as pessoas forem inteiramente fiéis. Não fiéis
umas às outras. Fiéis à grandiosa
idéia do divórcio.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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