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Uma prima-dona na periferia
Atriz comenta as apresentações de monólogo que faz a alunos de 21 CEU´s, na periferia de São Paulo, que diz estar descobrindo
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
A atriz Regina Duarte está em
cartaz nos 21 CEUs, espalhados
pelas quebradas da cidade, com o
monólogo "Coração Bazar". Tem
aproveitado para, no trajeto entre
sua casa, no Jardim Paulista, e os
escolões construídos pela ex-prefeita Marta Suplicy, descobrir a
periferia de São Paulo. "Como
tem oficina mecânica! É muita
oficina mecânica; eles têm muito
carro para consertar", espanta-se.
A ex-Viúva Porcina (personagem da novela "Roque Santeiro")
é um sucesso nos becos e vielas.
Na última quarta-feira, em Perus,
zona norte da cidade, mil pessoas
divididas em duas sessões (casa
lotada) assistiram à apresentação
da atriz. Ao final, aplausos, o público todo em pé, e diversos pedidos de autógrafos.
"Ela não é maravilhosa?", derretia-se o o estudante Carlos Ambrósio, 23, que cursa a 6ª série do
ensino fundamental e é guitarrista de uma banda heavy metal:
"Um som furioso", explica.
"Te furo agora"
"O pessoal da periferia é muito
gentil", retribui Regina, que, entretanto, já teve de se haver com
"manos" mais irados, como
aconteceu em um CEU em que
um estudante que não parava de
falar e rir durante a apresentação.
"Era uma coisa agressiva."
Um funcionário da produção se
dirigiu ao garoto, colocou a mão
no ombro dele e pediu: "Por favor, evite falar, porque está atrapalhando". Ao que o bagunceiro
retrucou: "Se você não tirar a mão
do meu ombro, te furo agora".
"Ficou bem concreta essa coisa da
violência, mas ficou só nisso",
afirma a estrela.
Regina Duarte diz sentir uma
grande familiaridade com a periferia, por ter morado nos arredores de Campinas, interior de São
Paulo, durante a infância e a adolescência. Foi bem antes do tempo
dos grupos de extermínio e das
chacinas, mas ela acha que muitas
coisas boas permaneceram.
"Em geral, eu chego aos bairros
às quatro, cinco da tarde. Sempre
reparo naquelas rodinhas, muita
gente de papo na rua, sentada em
cadeiras na calçada, coisa que eu
não via há muito. Nossa, como
eles são felizes. Eu acho que eles
são felizes e não sabem, porque a
sensação que me passa é que eles
são donos do seu tempo e eu não
sou mais dona do meu."
Mas esse tempo ocioso não será
por causa do desemprego, Regina? A prima-dona ri. "É, pode ser
por causa do desemprego mesmo, mas eu acho que eles são
muito felizes mesmo assim."
Escuridão
Chegar ao CEU Perus impõe
uma viagem de 30 km, desde o
centro de São Paulo. Pega-se a
marginal Tietê, a rodovia dos
Bandeirantes, o Rodoanel, passa-se ao largo do parque estadual do
Jaraguá, uma área de floresta preservada no norte da cidade, e vira-se na avenida que, afinal, entra no
bairro. É quase meia-noite, e,
quando a atriz volta para a cidade
central, vê-se: há quilômetros inteiros sem iluminação, lâmpadas
e fios dos postes roubados.
A atriz percorre essas distâncias
a bordo de um carrinho Corsa, cedido pela Prefeitura de São Paulo
e pilotado por um motorista "que
conhece todos os caminhos". Vai
sem segurança. Não dá medo? Ela
garante que não.
Quando chega ao teatro do CEU
-"tão bem equipado quanto as
melhores casas de espetáculos",
elogia-, um coquetel espera a
ex-namoradinha do Brasil. Refrigerantes, queijinhos e presunto
em bandejas são servidos, enquanto estouram os flashes das
câmeras dos fãs. Regina recebe
presentes: é flor, é bolo, é bibelô,
são coisinhas feitas em casa, um
crochê.
Orgulhosa, a gestora da escola,
Aparecida Vilela de Andrade, 46,
também está na recepção à atriz.
Logo, subirá ao palco, agradecerá
ao prefeito José Serra o espetáculo
e -por que não?- pedirá aos
alunos que se comportem durante a apresentação.
De-va-gar
Regina não fez nenhuma adaptação no texto, que já foi encenado em teatrões do Rio e de São
Paulo, para a nova clientela. Teve
o cuidado, porém, de pronunciar
as palavras com mais vagar -o
espetáculo, por isso, dura entre
cinco e dez minutos a mais.
O mesmo recurso ela usou ao se
apresentar em Lisboa, por causa
da diferença vernacular. Na periferia, recorreu ao expediente por
achar que um tempo maior ampliaria as chances de o texto, uma
colagem de 13 autores, ser compreendido.
Para uma platéia desacostumada à etiqueta do teatro, Regina
criou estratagemas. "O espetáculo
de ontem [no CEU Pêra-Marmelo, bairro do Jaraguá] começou
que foi uma zona. Eu fui falando
cada vez mais baixo e mais pausadamente, e a platéia foi ficando
cada vez mais quieta. Ficou um silêncio lindíssimo, absoluto. Dava
para cortar como um queijo."
Na próxima semana, Regina interromperá as apresentações nos
CEUs para uma temporada popular no Teatro Sérgio Cardoso,
bem longe da periferia. Em outubro, volta a "viajar" para as pontas
de São Paulo.
Repetindo a performance de
público obtida até agora (sempre
com casa cheia), considerando
que os teatros dos CEUs comportam 450 pessoas sentadas e que
são feitas duas apresentações por
escola, estima-se que, ao final da
temporada escolar, Regina terá levado pelo menos 19 mil alunos e
familiares a seu espetáculo. Para a
maioria, terá sido a primeira vez
em um teatro.
Ah! A Regina Duarte que pronunciou, durante o horário eleitoral gratuito da campanha presidencial de 2002, o famoso texto:
"Tô com medo. Faz tempo que
não tinha esse sentimento. Nós temos dois candidatos. Um eu conheço, é o Serra... O outro eu não
reconheço, tudo o que dizia mudou. Isso dá medo", recusa-se a
comentar a atual crise política.
Nas apresentações, ninguém lhe
perguntou sobre o assunto.
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