São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2008 |
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GILBERTO DIMENSTEIN São Paulo tem cara de Alice
JOÃO MARCELLO BOSCOLI percebeu que sua produtora musical estava fadada a desaparecer rapidamente pelo simples motivo de que os jovens não iriam mais comprar CDs. Se a pirataria dos camelôs já era um problema, o MP3 seria o golpe final. "Eu tive de matar o CD antes que ele me matasse", conta. Na sua estratégia de marketing, preferiu não resistir à onda. O problema é que alguém teria de pagar a conta. Foi criado um site em que as pessoas pudessem baixar legalmente as músicas sem pagar nada. O artista ganharia não mais pela venda do disco, mas por um patrocínio associado a cada gravação baixada. Com uma galeria de 150 mil músicas tocadas por 60 mil artistas brasileiros, a experiência ajudou a empresa (Trama) a manter-se no mercado. A aposta de marketing é um detalhe para mostrar a distância entre a criatividade da cidade de São Paulo e a baixa taxa de inovação do poder público -a distância é ainda mais visível no período eleitoral.
Marta Suplicy, Gilberto Kassab e
Geraldo Alckmin fazem um enorme
esforço publicitário para marcar diferença, mas, em essência, os programas são muito parecidos, tanto
que os candidatos ficam se acusando
de plágio. Participei das sabatinas da
Folha e a sensação que dava era que
mudava o candidato sentado na cadeira, mas as propostas eram as
mesmas.
Ninguém do mundo fonográfico,
como Boscoli, teria coragem de
apresentar como inovadora uma solução lançada nem mesmo no início
da década de 2000, muito menos de
1930. Apresenta-se como ousado (e
com razão) o plano do governo de
São Paulo de bônus por desempenho para os profissionais das escolas com melhor atuação. É uma prática há décadas disseminada na iniciativa privada, acostumada com os
mais variados tipos de avaliação.
O futuro mais exuberante da cidade é a economia criativa, que engloba moda, design, música, teatro, cinema, software, publicidade, artes
plásticas, literatura. Isso exige gente
educada, cosmopolita, antenada e
curiosa -e, sobretudo, encantada
com a inovação. Uma das faces de
São Paulo são os quatros jovens de
periferia retratados em "Linha de
Passe". Desesperançados, apostam
no futebol. A outra face é a de Alice,
do seriado dirigido Karim Aïnouz.
A São Paulo de "Linha de Passe"
está mais próxima do discurso repetitivo dos candidatos, que usam o
marketing para garantir que fizeram, fazem e vão fazer mais pelos
pobres. A apresentam os prédios
dos CEUs, mas não falam que seus
alunos têm notas ruins, inferiores
da média mundial, que, aliás, já é
muito ruim. Fala-se em espalhar
antenas pelos prédios para garantir
acesso à banda larga, quando as escolas nem sabem usar seus telecentros -aliás, nem suas livrarias.
Para entender São Paulo, é preciso ver a desesperança do futebol de "Linha de Passe" com o futebol de museu interativo -mas ver com os olhos de Alice.
PS- Para não ser injusto. A qualidade do capital humano paulistano se reflete nos três principais candidatos à prefeitura, todos com gestões bem avaliadas. Não merecem nota dez, longe disso, mas, certamente, estão acima dos cinco. Mas o que vai ajudá-los é menos a sua competência, e mais por pegarem uma cidade cada vez mais criativa -e cada vez menos dependente do governo.
gdimen@uol.com.br |
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