São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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NUTRIÇÃO

Macarrão, batatas fritas e salsicha são indicados como os favoritos de crianças de dois a cinco anos pesquisadas em SP

Estudo aponta risco de obesidade infantil

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Se depender das crianças, o Brasil pode deixar de ser o país do bife com arroz e feijão e passar, em alguns anos, a ser o país do macarrão com batatas fritas e salsicha. E são justamente essas predileções alimentares que preocupam nutricionistas e endocrinologistas que começaram a encarar na última década um problema já visto como pandemia (epidemia mundial): a obesidade infantil.
Segundo pesquisa inédita feita com 84 meninos e meninas de classe média alta, entre dois e cinco anos de idade -20 alunos do Colégio Liceu Pasteur e 64 frequentadores do Clube Círculo Militar de São Paulo-, os campeões na preferência infantil são, no almoço, macarrão, batatas fritas, salsicha, arroz e ovo frito, nessa ordem. No jantar, o "pódio" permanece quase o mesmo, com um empate entre batatas fritas e pizza no segundo lugar e a entrada da sopa na terceira colocação, seguida por salsicha, cachorro quente, cheeseburger e feijão.
Nas demais refeições (café da manhã, lanches da manhã, tarde e noite), alimentos pouco nutritivos e muito calóricos (como salgadinhos, biscoitos recheados, refrigerantes, picolés e chocolates) também estão entre os preferidos.
"O que mais preocupa é que as preferências, nessa faixa etária, refletem o que as crianças efetivamente costumam comer. Com exceção do que elas gostam no café da manhã, é uma alimentação bastante pobre e gordurosa que exclui frutas e verduras, por exemplo", afirma Juliana Mendes Lopes, 22, formanda de nutrição pela USP (Universidade de São Paulo) e co-autora do estudo.
"O jantar é a pior refeição. Uma explicação possível é que as crianças já estão bem cansadas à noite e não querem comer, os pais, então, acabam fazendo as vontades dos filhos, com medo que, caso contrário, eles não se alimentem. Os resultados mostram ainda a vitória da praticidade sobre a variedade", avalia Mario Luiz Carré, 23, o outro responsável pela pesquisa.
O trabalho teve orientação da nutricionista Andrea Rabay e acompanhamento do endocrinologista Ricardo Marum, diretor-clínico do Instituto Brasileiro de Educação Nutricional (Iben).

Metodologia
Para coletar as informações com as crianças, os pesquisadores montaram mostruários de 118 alimentos formados por fotografias em tamanho natural de produtos pesquisados na internet, apontados pelos pais das crianças em enquete prévia e escolhidos mediante o acompanhamento do lanche oferecido nas cantinas das instituições onde a pesquisa foi feita.
Foram elaborados dois kits de produtos: um para almoço e jantar e outro para café da manhã e lanches. Todos os alimentos foram expostos para as crianças antes de elas apontarem seus preferidos, o que ocorreu em grupos de quatro pessoas. Foi a forma encontrada de minimizar a influência de uma criança sobre a outra.


Nas mãos dos pais
Consultados pela Folha, nutricionistas, pediatras e endocrinologistas especializados em obesidade infantil são unânimes em apontar que a prevenção e a solução do problema estão primordialmente com os pais. E isso não só porque eles podem repassar genes que favorecem o ganho de peso, mas principalmente porque têm nas mãos o poder (e o dever) de aumentar o repertório alimentar dos filhos, oferecendo-lhes, desde a desmama, uma comida variada e rica em nutrientes.
"Aos pais cabe dar, primeiro, o bom exemplo", afirma a endocrinologista Sandra Villares, chefe da Liga de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas (HC).
Segundo ela, das cerca de 120 crianças e jovens obesos entre 7 e 14 anos que a liga atendeu desde sua fundação, há um ano e meio, os que não conseguiram emagrecer foram aqueles que tinham problemas emocionais graves ou que não conseguiram o apoio familiar. "É comum ver a mãe gordinha que quer que o filho emagreça, mas não está disposta a fazer o mesmo", conta Villares.
"É preciso que os pais encontrem tempo e apelem para a criatividade na hora de preparar as refeições para os filhos porque a apresentação do alimento é muito importante para as crianças. E vale a pena insistir. Se a cenoura não é bem aceita crua, devem-se oferecer alternativas: cozida, misturada ao arroz, no bolo, na sopa", diz a nutricionista Paola Dolce, do Instituto da Criança do HC.
Segundo Dolce, os hábitos alimentares das crianças começam a se formar desde o momento em que elas deixam de ser amamentadas, daí a importância do cardápio variado; por outro lado, os gostos podem ser modificados ao longo da vida. Outro aviso importante: o costume de usar doces e chocolates como recompensa para os filhos deve ser repensado.
"O pai que chega do trabalho e traz um bombom poderia fazer desse momento especial para a criança uma oportunidade de conhecer novas frutas. Melhor trocar o doce por uma caixa de pêssegos", sugere a nutricionista.
"Temos uma tendência natural a preferir os sabores doces e salgados, rejeitando os amargos e azedos, mas, quando eles nos são apresentados de formas diferentes, acabamos aceitando. Pesquisas mostram que se deve mostrar o mesmo alimento até oito vezes para uma criança antes de ela aceitá-lo. Na primeira vez, ele deve ser misturado a coisas que elas gostam de comer", diz Marum.
Enriquecer o macarrão com batata frita e salsicha é o objetivo de uma segunda fase do trabalho de Lopes e Carré. Eles estão desenvolvendo receitas que tornam mais nutritivos e menos engordativos os alimentos favoritos da criançada (veja um exemplo de receita no quadro ao lado).


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