São Paulo, quarta-feira, 28 de novembro de 2007

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Conselho tutelar ataca cultura da violência

Grupo de cinco pessoas foi o único a se indignar com a situação da menina presa com homens e a providenciar ajuda

"Temos de lutar contra uma cultura que considera o espancamento e a punição de crianças uma forma de educação", diz conselheira

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A ABAETETUBA (PA)

MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

Amarrado à cama em uma casinha de dois cômodos da zona mais pobre de Abaetetuba, a 130 km de Belém, o menino de sete anos tem o corpo coberto de hematomas. Liberto, ele é levado, desfalecido, ao hospital. A surra quem deu foi a própria mãe. De pau de vassoura.
Maria Imaculada Ribeiro dos Santos, 39, membro do Conselho Tutelar da cidade, chegou à casa acompanhada de dois policiais militares que testemunharam o flagra. Menino socorrido, hora do boletim de ocorrência. "Que é que tem? Quem nunca levou uns trancos da mãe?", perguntou o delegado de plantão, recusando-se a registrar a agressão, que considerou normal.
"É tão absurda a situação que só faltou soltarem a mãe e prenderem a conselheira", diz Imaculada. "Não deu em nada, a criança continua a ser espancada, a mãe está impune."
Foram os membros do Conselho Tutelar de Abaetetuba que denunciaram a situação da menina L., 15 anos, submetida a abusos sexuais, violência e estupros por 26 dias, ao ficar encarcerada junto a mais de 30 homens em uma cela cujo interior é visível da rua.
Prefeitura administrada pelo PT, Estado administrado pelo PT, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, Conselho da Mulher, juízes, promotores, delegados de polícia e população em geral de Abaetetuba não viram ou se calaram diante da seqüência de agressões à menina L..
Só o pequeno grupo formado pelos cinco membros do Conselho Tutelar da cidade (três mulheres e dois homens) conseguiu se indignar com a situação e providenciar socorro.
"O conselho tem de lutar contra uma cultura que considera o espancamento e a punição violenta das crianças uma forma de educação", diz Diva de Jesus Negrão Andrade, 42, conselheira tutelar.
O caso de L. é apenas o mais famoso dos mais de 5.000 atendimentos por ano feitos pelos cinco conselheiros. Com 135.000 habitantes, banhada pelo rio Maratauíra, um dos afluentes do Tocantins, Abaetetuba espalha-se por 72 ilhas fluviais que, em conjunto, já foram apelidadas de "Medellín da Amazônia", numa referência à cidade colombiana.
Foi a proximidade das Guianas e de Suriname que acabou por integrar o município ao tráfico internacional. Pura e barata, a droga já faz parte da rotina de violência contra as crianças e adolescentes. Drogadição, convívio com dependentes químicos e prostituição são alguns dos problemas.
Sem carro em condições de uso, sem transporte fluvial, sem computador, sem telefone fixo, os conselheiros atendem a uma média de 15 casos por dia.
A precariedade custa caro. Imaculada conta que para atender denúncia nas ilhas, é preciso solicitar com antecedência uma embarcação. "Já aconteceu de chegarmos ao local e encontrar a criança morta."
Os conselheiros dizem que tiram do próprio bolso o custeio de viagens para que crianças vítimas de abuso sexual e violência sejam submetidas a exames no IML de Belém.
No dia 15, ao descobrir L. dentro da cadeia, o Conselho Tutelar deparou-se com um grande problema. A polícia dizia, contra a evidência do corpo de 1,40 metro e do rosto infantil, que a garota tinha 19 anos -o problema, portanto, não seria da conta dos conselheiros.
Imaculada não se conformou. Pegou emprestada a moto de um amigo e foi, sozinha, de noite, para Vila do Conde, município de Barcarena, a mais de 40 km, buscar a mãe de L., com a certidão de nascimento da menina. "A gente às vezes se sente muito só", diz.
Procurada ontem e anteontem, a Secretaria de Segurança não se manifestou sobre as afirmações dos conselheiros.


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