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Conselho tutelar ataca cultura da violência
Grupo de cinco pessoas foi o único a se indignar com a situação da menina presa com homens e a providenciar ajuda
"Temos de lutar contra uma cultura que considera o espancamento e a punição de crianças uma forma de educação", diz conselheira
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A ABAETETUBA (PA)
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
Amarrado à cama em uma
casinha de dois cômodos da zona mais pobre de Abaetetuba, a
130 km de Belém, o menino de
sete anos tem o corpo coberto
de hematomas. Liberto, ele é
levado, desfalecido, ao hospital.
A surra quem deu foi a própria
mãe. De pau de vassoura.
Maria Imaculada Ribeiro dos
Santos, 39, membro do Conselho Tutelar da cidade, chegou à
casa acompanhada de dois policiais militares que testemunharam o flagra. Menino socorrido, hora do boletim de ocorrência. "Que é que tem? Quem
nunca levou uns trancos da
mãe?", perguntou o delegado
de plantão, recusando-se a registrar a agressão, que considerou normal.
"É tão absurda a situação que
só faltou soltarem a mãe e
prenderem a conselheira", diz
Imaculada. "Não deu em nada,
a criança continua a ser espancada, a mãe está impune."
Foram os membros do Conselho Tutelar de Abaetetuba
que denunciaram a situação da
menina L., 15 anos, submetida a
abusos sexuais, violência e estupros por 26 dias, ao ficar encarcerada junto a mais de 30
homens em uma cela cujo interior é visível da rua.
Prefeitura administrada pelo
PT, Estado administrado pelo
PT, Ordem dos Advogados do
Brasil, Conselho Municipal da
Criança e do Adolescente, Conselho da Mulher, juízes, promotores, delegados de polícia e
população em geral de Abaetetuba não viram ou se calaram
diante da seqüência de agressões à menina L..
Só o pequeno grupo formado
pelos cinco membros do Conselho Tutelar da cidade (três
mulheres e dois homens) conseguiu se indignar com a situação e providenciar socorro.
"O conselho tem de lutar
contra uma cultura que considera o espancamento e a punição violenta das crianças uma
forma de educação", diz Diva de
Jesus Negrão Andrade, 42, conselheira tutelar.
O caso de L. é apenas o mais
famoso dos mais de 5.000 atendimentos por ano feitos pelos
cinco conselheiros. Com
135.000 habitantes, banhada
pelo rio Maratauíra, um dos
afluentes do Tocantins, Abaetetuba espalha-se por 72 ilhas
fluviais que, em conjunto, já foram apelidadas de "Medellín da
Amazônia", numa referência à
cidade colombiana.
Foi a proximidade das Guianas e de Suriname que acabou
por integrar o município ao tráfico internacional. Pura e barata, a droga já faz parte da rotina
de violência contra as crianças
e adolescentes. Drogadição,
convívio com dependentes químicos e prostituição são alguns
dos problemas.
Sem carro em condições de
uso, sem transporte fluvial,
sem computador, sem telefone
fixo, os conselheiros atendem a
uma média de 15 casos por dia.
A precariedade custa caro.
Imaculada conta que para atender denúncia nas ilhas, é preciso solicitar com antecedência
uma embarcação. "Já aconteceu de chegarmos ao local e encontrar a criança morta."
Os conselheiros dizem que
tiram do próprio bolso o custeio de viagens para que crianças vítimas de abuso sexual e
violência sejam submetidas a
exames no IML de Belém.
No dia 15, ao descobrir L.
dentro da cadeia, o Conselho
Tutelar deparou-se com um
grande problema. A polícia dizia, contra a evidência do corpo
de 1,40 metro e do rosto infantil, que a garota tinha 19 anos
-o problema, portanto, não seria da conta dos conselheiros.
Imaculada não se conformou. Pegou emprestada a moto de um amigo e foi, sozinha,
de noite, para Vila do Conde,
município de Barcarena, a mais
de 40 km, buscar a mãe de L.,
com a certidão de nascimento
da menina. "A gente às vezes se
sente muito só", diz.
Procurada ontem e anteontem, a Secretaria de Segurança
não se manifestou sobre as
afirmações dos conselheiros.
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