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GERAÇÕES ARCO-ÍRIS
Sociólogo revisita antigos redutos de azaração em SP
Aos 70, Fábio diz que gays eram mais românticos nos anos 50
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
De noite no largo do Paissandu,
moradores de rua ajeitam-se para
dormir no lugar onde, nos anos
50, funcionava um dos principais
pontos de azaração gay de São
Paulo. O mesmo lugar onde o
poeta Mário de Andrade pediu:
"deixem meu sexo", em "Quando
eu morrer quero ficar", da Lira
Paulistana de 1945.
Mais adiante, na esquina das
avenidas Ipiranga e São João, onde um bar servia champanhe aos
gays de elite e cachaça aos homossexuais operários, hoje uma lanchonete promove hot dogs a R$ 1.
O concorrido banheiro público
do vale do Anhangabaú, local de
caça e de encontros gays em 1958,
virou um depósito.
Cerca de 30 anos após passar
por esses locais, o sociólogo José
Fábio Barbosa da Silva, 70, levou
seu companheiro Joe Rose, 76,
para um tour de revisita aos pontos de encontro gays freqüentados e pesquisados por ele no final
dos anos 50.
Barbosa da Silva vive há 44 anos
nos EUA e é autor de um estudo
pioneiro sobre o homossexualismo em São Paulo, o primeiro que
não tratou do tema pelo viés médico nem pela perspectiva policial, mas sociológica. A pesquisa
foi publicada no recém-lançado
"Homossexualismo em São Paulo
e Outros Escritos" (editora
Unesp), organizado pelo brasilianista James N. Green e pelo antropólogo Ronaldo Trindade.
Realizada no final dos anos 50, a
pesquisa teve orientação de Florestan Fernandes (1920-1995),
mentor da geração de intelectuais
como o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso e Octavio Ianni, que via nos gays uma potencial
"contra-estrutura àquela estabelecida pela sociedade brasileira".
"O estudo, no entanto, me levou
a concluir exatamente o contrário: os gays eram conservadores,
não estavam preocupados em
mudar a sociedade", afirma Silva.
"Nos anos 50, o importante era o
sexo. Hoje, o comportamento é
mais político, e os gays estão
preocupados sobretudo com o
discurso. Acho que ser gay naquela época era mais romântico", diz.
Romantismo que Silva faz questão de manter hoje com Joe Rose,
que conheceu numa sala de bate-papo na internet há um ano. Na
última quinta-feira, durante a feira GLBT na rua Vieira de Carvalho, depois de uma escapadela estratégica, Silva apareceu com rosas, que deu ao companheiro.
Menos experiente, Joe passou a
ter relacionamentos gays só aos
70 anos, após ficar viúvo de um
casamento de mais de 40 e do qual
tem dois filhos. Ainda assim, foi
ele quem introduziu o veterano
Silva a um grupo de terceira idade
gay na Flórida.
Em grupo, o casal sai, organiza
encontros e jantares e se orgulha
de dizer que, além de namorados,
os dois são mesmo é muito amigos. "Acho que esse tipo de coisa
faz falta no Brasil. Gostaria de ver
grupos gays de homens mais velhos aqui também", diz Silva.
Segregação x liberdade
Apesar de o sociólogo destacar o
romantismo dos gays nos anos
50, ele admite que esse grupo era
bastante segregado. Naquela época, os gays eram vistos como delinqüentes, doentes ou criminosos. Considerados um problema
social, os que pertenciam às classes média e alta dissimulavam.
Para viver sua sexualidade, buscavam refúgio em pequenos grupos,
que se encontravam em guetos
sociais do centro da cidade.
"São Paulo era provinciana e tinha uma sociedade muito hierarquizada. O circuito gay, no entanto, era muito democrático e perfilava as classes sociais", diz Silva.
Está em seu estudo também
uma série de tipos embrionários
dos subgrupos gays atuais: os escrachados, os prostitutos, os travestidos, os apaixonados pela cultura física, os intelectuais.
"Há meio século, não existia a
idéia de identidade gay. Isso ocorria individualmente, cada um
dentro do seu closet [armário]."
Fora do closet, Silva e Joe marcam presença hoje na 9ª Parada
do Orgulho GLBT de São Paulo.
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