São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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GERAÇÕES ARCO-ÍRIS

Sociólogo revisita antigos redutos de azaração em SP

Aos 70, Fábio diz que gays eram mais românticos nos anos 50

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

De noite no largo do Paissandu, moradores de rua ajeitam-se para dormir no lugar onde, nos anos 50, funcionava um dos principais pontos de azaração gay de São Paulo. O mesmo lugar onde o poeta Mário de Andrade pediu: "deixem meu sexo", em "Quando eu morrer quero ficar", da Lira Paulistana de 1945.
Mais adiante, na esquina das avenidas Ipiranga e São João, onde um bar servia champanhe aos gays de elite e cachaça aos homossexuais operários, hoje uma lanchonete promove hot dogs a R$ 1.
O concorrido banheiro público do vale do Anhangabaú, local de caça e de encontros gays em 1958, virou um depósito.
Cerca de 30 anos após passar por esses locais, o sociólogo José Fábio Barbosa da Silva, 70, levou seu companheiro Joe Rose, 76, para um tour de revisita aos pontos de encontro gays freqüentados e pesquisados por ele no final dos anos 50.
Barbosa da Silva vive há 44 anos nos EUA e é autor de um estudo pioneiro sobre o homossexualismo em São Paulo, o primeiro que não tratou do tema pelo viés médico nem pela perspectiva policial, mas sociológica. A pesquisa foi publicada no recém-lançado "Homossexualismo em São Paulo e Outros Escritos" (editora Unesp), organizado pelo brasilianista James N. Green e pelo antropólogo Ronaldo Trindade.
Realizada no final dos anos 50, a pesquisa teve orientação de Florestan Fernandes (1920-1995), mentor da geração de intelectuais como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, que via nos gays uma potencial "contra-estrutura àquela estabelecida pela sociedade brasileira".
"O estudo, no entanto, me levou a concluir exatamente o contrário: os gays eram conservadores, não estavam preocupados em mudar a sociedade", afirma Silva. "Nos anos 50, o importante era o sexo. Hoje, o comportamento é mais político, e os gays estão preocupados sobretudo com o discurso. Acho que ser gay naquela época era mais romântico", diz.
Romantismo que Silva faz questão de manter hoje com Joe Rose, que conheceu numa sala de bate-papo na internet há um ano. Na última quinta-feira, durante a feira GLBT na rua Vieira de Carvalho, depois de uma escapadela estratégica, Silva apareceu com rosas, que deu ao companheiro.
Menos experiente, Joe passou a ter relacionamentos gays só aos 70 anos, após ficar viúvo de um casamento de mais de 40 e do qual tem dois filhos. Ainda assim, foi ele quem introduziu o veterano Silva a um grupo de terceira idade gay na Flórida.
Em grupo, o casal sai, organiza encontros e jantares e se orgulha de dizer que, além de namorados, os dois são mesmo é muito amigos. "Acho que esse tipo de coisa faz falta no Brasil. Gostaria de ver grupos gays de homens mais velhos aqui também", diz Silva.

Segregação x liberdade
Apesar de o sociólogo destacar o romantismo dos gays nos anos 50, ele admite que esse grupo era bastante segregado. Naquela época, os gays eram vistos como delinqüentes, doentes ou criminosos. Considerados um problema social, os que pertenciam às classes média e alta dissimulavam. Para viver sua sexualidade, buscavam refúgio em pequenos grupos, que se encontravam em guetos sociais do centro da cidade.
"São Paulo era provinciana e tinha uma sociedade muito hierarquizada. O circuito gay, no entanto, era muito democrático e perfilava as classes sociais", diz Silva.
Está em seu estudo também uma série de tipos embrionários dos subgrupos gays atuais: os escrachados, os prostitutos, os travestidos, os apaixonados pela cultura física, os intelectuais.
"Há meio século, não existia a idéia de identidade gay. Isso ocorria individualmente, cada um dentro do seu closet [armário]."
Fora do closet, Silva e Joe marcam presença hoje na 9ª Parada do Orgulho GLBT de São Paulo.

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