São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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GILBERTO DIMENSTEIN

Ninguém vai poder reclamar de que não sabia

Não há notícia de uma disputa eleitoral em que os meios de comunicação tenham sabatinado com tamanha profundidade os candidatos a governador e, especialmente, a presidente. Todos eles foram obrigados a explicar, como nunca se viu, a viabilidade de seus projetos, as contradições de suas alianças e as passagens nebulosas de suas biografias.
Quase todos os grandes jornais escalaram alguns de seus mais experientes profissionais e colocaram-nos num palco com os candidatos. Exigiram-se detalhes sobre o modo como imaginam melhorar a vida dos brasileiros; as sabatinas eram acompanhadas pelos leitores e, no dia seguinte, as respostas eram comentadas por especialistas.
Além dos avanços da imprensa escrita, a cobertura do rádio e da televisão atingiu proporções desconhecidas: os candidatos foram submetidos, em horário nobre, a baterias de perguntas incômodas. Agregou-se ainda o jornalismo de internet, acompanhando tudo em tempo real -um jornalismo que, na eleição passada, ainda engatinhava.
Não houve um só assunto que deixasse de ser debatido e veiculado em ampla escala, atingindo dos mais ricos aos mais pobres. Se os mais pobres não entenderam o que viram, leram ou ouviram, não foi por falta de informação, mas devido ao analfabetismo funcional.
A uma semana das eleições, ainda não sabemos se vai haver segundo turno na disputa presidencial, como indica a pesquisa Datafolha publicada hoje e, se houver, quem disputará com Lula.
É possível dizer, porém, que ninguém deixou de ser avisado das fragilidades dos candidatos e da inconsistência de algumas das suas propostas. O que a imprensa sabia foi veiculado.
A principal promessa desta eleição presidencial -o crescimento econômico combinado com a criação de milhões de empregos- anima o horário eleitoral gratuito, produzido pelos marqueteiros. Fala-se em mais gastos em educação, saúde, segurança.
Todos os candidatos foram, porém, chamados a explicitar a maneira como conseguiriam gerar tantos empregos e gastar tanto dinheiro na área social, considerando os limites do Orçamento, os acordos com o FMI e a instabilidade internacional. Em todas as entrevistas, perguntava-se invariavelmente: "Mas de onde vai sair o dinheiro?".
Hábeis nas palavras, os candidatos acenam com números e mais números, lançam hipóteses. Tudo filtrado, chega ao consumidor da notícia a seguinte mensagem: não há recursos suficientes para eles fazerem o que prometem. Alguns, levemente constrangidos, refazem suas propostas, flagrados na inconsistência.
O PT já admite que 10 milhões de empregos formais, de carteira assinada, a serem efetivados em quatro anos, podem cair bem no papel, mas não vão além disso -é a mesma inviabilidade da proposta dos 8 milhões de postos de trabalho, também formais, prometidos por José Serra. O salário mínimo com que acena Garotinho é perfeitamente viável desde que ele quebre de vez a Previdência; as bravatas de Ciro Gomes contra o sistema financeiro não resistem ao dia da posse.
O problema é que os eleitores se movem mais pelo coração do que pela mente. A utopia, afinal, é o grande motor da história. Políticos elegem-se graças não às análises de viabilidade de suas intenções, mas à administração da esperança e dos sonhos das pessoas.
Administrar a transformação da esperança em frustração é a principal tarefa dos presidenciáveis. Todos, sem exceção, asseguram ter fórmulas para extirpar a insegurança decorrente do desemprego -e todos, sem exceção, sabem que, além da conjuntura econômica, a tecnologia reduz a necessidade de mão-de-obra. Há até quem diga que, no futuro, não haverá mais empregos, apenas tarefas executadas por trabalhadores com vínculos provisórios.
A explosão do dólar, na semana passada, em meio à volta da histeria do sistema financeiro, as incertezas da economia mundial, as crises das Bolsas e a perspectiva de uma guerra contra o Iraque são, entre tantos, alguns dos fatores que colocam em dúvida as possibilidades de crescimento do país.
A mudança com estabilidade é neste momento o sonho dos eleitores, até agora captado melhor por Lula, como mostram as pesquisas. A grande ilusão dos brasileiros é esta: mudar rapidamente sem turbulências.
O risco-Brasil, seja qual for o eleito, é, pelo menos no próximo ano, pouca mudança e muita instabilidade. Não há, por isso, alternativa para o novo presidente fora de um amplo acordo de união nacional.
Não vai aqui nenhum corporativismo, mas, quando a realidade chegar e houver desilusão, pelo menos não se poderá dizer que faltou informação.
PS - Isso tudo não significa que caminhamos para uma catástrofe. Significa apenas o óbvio: o Brasil não vai parar de melhorar socialmente. Não somos nem o país da baboseira do marketing político nem o país da histeria financeira do mercado.
E-mail - gdimen@uol.com.br

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