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SAÚDE
Religiosos vivem o desafio de distribuir camisinhas sem, contudo, poder pregar o seu uso, que é condenado pela igreja
Católicos adotam realismo contra a Aids
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Cerca de 150 entidades ligadas à
Igreja Católica no país trabalham
com prevenção da Aids e na assistência aos portadores e doentes.
Todas elas vivem o desafio de recomendar o preservativo -e até
de distribuí-lo- sem pregar ostensivamente seu uso, que é condenado pela igreja.
"O ideal é chegar a não precisar
do preservativo", diz o frei Luiz
Carlos Lunardi, assessor nacional
da Pastoral DST/Aids, da CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil). No final de semana, a
pastoral realizou a primeira assembléia nacional na Casa de Jesus Crucificado, em Goiânia.
A Fonte Colombo, dos capuchinhos de Porto Alegre, casa de promoção à pessoa soropositiva
coordenada por frei Lunardi, tem
folhetos feitos em parceria com o
Ministério da Saúde em que se ensina a colocar a camisinha masculina e o preservativo feminino.
No trabalho com a Aids, a igreja
vem deixando de lado o "ideal"
para lidar com o "real". Em São
Paulo, por exemplo, o Cefran
(Centro Franciscano de Luta
Contra a Aids) inclui camisinha
nas cestas básicas que distribui a
cerca de 450 pacientes.
"Nós não dizemos: "Pode usar"
ou "Não pode usar". Mas nossos
folhetos explicam que, sem camisinha, você pode pegar Aids", diz
frei Mario Luiz Tagliari, diretor
do Cefran. "O ideal seria a fidelidade e o amor, mas a realidade
não é assim para todos. Então, o
importante é buscar o bem maior,
que é a defesa da vida."
A estratégia das instituições católicas que trabalham no combate
à Aids é não enfocar diretamente
o preservativo, evitando um conflito direto com a igreja. "A estratégia é não polemizar quanto ao
uso da camisinha", diz frei Tagliari. "Reduzir a solução do problema do contágio ao uso do preservativo é ser hipócrita e irresponsável", afirma frei Lunardi.
A criação da Pastoral da Aids
permitiu um canal amistoso entre
os programas públicos de DST/
Aids e a igreja. "As instituições católicas que trabalham com HIV e
Aids entendem de assistência e de
prevenção porque lidam diretamente com a epidemia e os pacientes", diz Raldo Bonifácio,
coordenador-adjunto do Programa Nacional de Aids e que acompanhou o encontro de Goiânia.
"A camisinha nunca aparece
isoladamente, mas não conheço
nenhum grupo católico que não
use o preservativo", diz Bonifácio.
Governo e entidades católicas que
trabalham com Aids sabem que,
oficialmente, a igreja não prega o
uso do preservativo para não passar uma idéia de permissividade.
Segundo Bonifácio, as pesquisas de comportamento têm mostrado que, quando se trata de
questões de saúde -como contracepção e Aids, por exemplo-,
os católicos ouvem mais os médicos e a escola do que a igreja.
As instituições católicas, por sua
vez, lembram que só pregar o uso
da camisinha não resolve, pois
ainda é grande o número de jovens que não se protege.
A importância da igreja nas
questões da Aids vem ganhando
destaque à medida que a doença
atinge os mais pobres e os desinformados. Há grupos católicos
trabalhando com populações ribeirinhas e com jovens em situações de risco em cidades do Norte
e do Nordeste, por exemplo.
"Muitas entidades estão onde os
serviços públicos de saúde não
conseguem chegar e atendem
pessoas das classes mais empobrecidas, em que atualmente há o
maior número de infecções", afirma frei Lunardi.
Em São Paulo, o grupo Fraternidade Povo da Rua atende cerca de
2.000 moradores sem teto portadores do HIV, doentes ou em situação de risco. O Cefran oferece
atendimento multidisciplinar para cerca de 450 pessoas, oferecendo informações sobre adesão ao
tratamento, ensinando como os
remédios devem ser tomados. Há
até curso de alfabetização. "Cerca
de 20% dos doentes não sabem ler
nem escrever", diz frei Tagliari.
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