São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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SAÚDE

Religiosos vivem o desafio de distribuir camisinhas sem, contudo, poder pregar o seu uso, que é condenado pela igreja

Católicos adotam realismo contra a Aids

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de 150 entidades ligadas à Igreja Católica no país trabalham com prevenção da Aids e na assistência aos portadores e doentes. Todas elas vivem o desafio de recomendar o preservativo -e até de distribuí-lo- sem pregar ostensivamente seu uso, que é condenado pela igreja.
"O ideal é chegar a não precisar do preservativo", diz o frei Luiz Carlos Lunardi, assessor nacional da Pastoral DST/Aids, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). No final de semana, a pastoral realizou a primeira assembléia nacional na Casa de Jesus Crucificado, em Goiânia.
A Fonte Colombo, dos capuchinhos de Porto Alegre, casa de promoção à pessoa soropositiva coordenada por frei Lunardi, tem folhetos feitos em parceria com o Ministério da Saúde em que se ensina a colocar a camisinha masculina e o preservativo feminino.
No trabalho com a Aids, a igreja vem deixando de lado o "ideal" para lidar com o "real". Em São Paulo, por exemplo, o Cefran (Centro Franciscano de Luta Contra a Aids) inclui camisinha nas cestas básicas que distribui a cerca de 450 pacientes.
"Nós não dizemos: "Pode usar" ou "Não pode usar". Mas nossos folhetos explicam que, sem camisinha, você pode pegar Aids", diz frei Mario Luiz Tagliari, diretor do Cefran. "O ideal seria a fidelidade e o amor, mas a realidade não é assim para todos. Então, o importante é buscar o bem maior, que é a defesa da vida."
A estratégia das instituições católicas que trabalham no combate à Aids é não enfocar diretamente o preservativo, evitando um conflito direto com a igreja. "A estratégia é não polemizar quanto ao uso da camisinha", diz frei Tagliari. "Reduzir a solução do problema do contágio ao uso do preservativo é ser hipócrita e irresponsável", afirma frei Lunardi.
A criação da Pastoral da Aids permitiu um canal amistoso entre os programas públicos de DST/ Aids e a igreja. "As instituições católicas que trabalham com HIV e Aids entendem de assistência e de prevenção porque lidam diretamente com a epidemia e os pacientes", diz Raldo Bonifácio, coordenador-adjunto do Programa Nacional de Aids e que acompanhou o encontro de Goiânia.
"A camisinha nunca aparece isoladamente, mas não conheço nenhum grupo católico que não use o preservativo", diz Bonifácio. Governo e entidades católicas que trabalham com Aids sabem que, oficialmente, a igreja não prega o uso do preservativo para não passar uma idéia de permissividade.
Segundo Bonifácio, as pesquisas de comportamento têm mostrado que, quando se trata de questões de saúde -como contracepção e Aids, por exemplo-, os católicos ouvem mais os médicos e a escola do que a igreja.
As instituições católicas, por sua vez, lembram que só pregar o uso da camisinha não resolve, pois ainda é grande o número de jovens que não se protege.
A importância da igreja nas questões da Aids vem ganhando destaque à medida que a doença atinge os mais pobres e os desinformados. Há grupos católicos trabalhando com populações ribeirinhas e com jovens em situações de risco em cidades do Norte e do Nordeste, por exemplo.
"Muitas entidades estão onde os serviços públicos de saúde não conseguem chegar e atendem pessoas das classes mais empobrecidas, em que atualmente há o maior número de infecções", afirma frei Lunardi.
Em São Paulo, o grupo Fraternidade Povo da Rua atende cerca de 2.000 moradores sem teto portadores do HIV, doentes ou em situação de risco. O Cefran oferece atendimento multidisciplinar para cerca de 450 pessoas, oferecendo informações sobre adesão ao tratamento, ensinando como os remédios devem ser tomados. Há até curso de alfabetização. "Cerca de 20% dos doentes não sabem ler nem escrever", diz frei Tagliari.


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