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LETRAS JURÍDICAS
Problemas nas relações de pais e filhos
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Verdi construiu a trama central da ópera "Rigoletto" (1851) a contar da relação entre um pai preocupado com
o futuro e a honra de Gilda, sua
linda filha, em face de perigos que
ele conhecia bem, deformado física e moralmente, pois, bufão na
corte do Duque de Mântua, era
seu cúmplice constante em conquistas lícitas e ilícitas. O destino
pregou-lhe uma peça: Gilda se encantou, sem contar ao pai, com
um rapaz que lhe disse ser o poeta
Gualtier Maldè, apaixonado por
ela. Em verdade era o próprio duque, conquistador inveterado e
imoral. Gilda engana o pai, mente-lhe sobre seu enlevo e termina
morrendo, sacrificando-se em lugar do amante, o qual Rigoletto
queria matar, vingando-se.
Na atualidade, o drama da relação entre pais e filhos parece
mais complicado do que há pouco
mais de 150 anos, quando surgiu
o "Rigoletto". Os fatos sociais (a
urbanização abrupta, com a violência consequente, o engajamento da mulher no mercado de trabalho, os meios de comunicação
instantânea, o crescimento populacional), científicos (a pílula, os
antibióticos e os remédios que estendem a vida, os veículos de
transporte de massa ou individuais) e tantos outros distanciaram os filhos de suas casas, substituída a educação no lar pela coletivização das escolas.
O artigo 227 da Constituição
impõe à família, à sociedade e ao
Estado deveres que nenhum deles, na média, cumpre integralmente. Tais deveres consistem em
assegurar "à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão". Proponho
que o leitor releia o trecho entre
aspas para assegurar-se da extensão e da profundidade dos deveres impostos pela Carta Magna.
Verifique, guiado pelo conhecimento de sua realidade social, as
dificuldades e a extensão do papel
de cada um dos responsáveis (família, sociedade, Estado) e também até onde cumprem suas
tarefas.
Nesse contexto social, muitos
pais hesitam em ser firmes ante o
argumento de que outros pais são
menos rigorosos. A dosagem varia, criando embaraços para
aqueles cuja formação lhes impõe
mais severidade. Nenhum critério
uniforme é possível, mas o elemento básico é o diálogo direto,
amplo, esclarecedor, principalmente no seio da família, lugar
próprio para a rediscussão dos influxos recebidos fora de casa. Vê-se, logo, que o núcleo da questão
não está no Direito, em cuja farmácia faltam remédios para
questões tão complexas. Nesse
campo, os Von Richthofen e os
Friedenbach são iguais entre si e
iguais aos Silva e aos Pereira enquanto pais e mães mergulhados
num mundo em transformação,
de posições instáveis, em fase de
decantação, perturbadoras da visão individual e coletiva. Por isso
mesmo envolvidos em tragédias
difíceis de aceitar.
O leitor poderá perguntar: "Então, não há o que fazer?".
Há sim. A solução coletiva virá
da atuação de cada um em seu
próprio núcleo, segundo seus valores essenciais, divididos ampla e
limpamente com todos os integrantes do grupo para a construção da paz comum.
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