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CASA DE PENSÃO
Grupo vive rotina de
família normal
da Reportagem Local
Na casa térrea de grades brancas
da rua Maracaí, em Campinas, Benedita, 75, é sempre a primeira a
se levantar. É ela que prepara o café pouco depois das 5h. Alexandre
vai buscar pão na padaria, a duas
quadras dali. Carlos sai para o trabalho antes das 6h.
Os outros moradores levantam
em seguida: Mario, Geni, Maria e
Marlene. Vão ajudar na arrumação da casa. A rotina, que vai terminar à noite diante da TV, lembra a de uma família qualquer. Ou
melhor, lembra o cotidiano de
uma república ou pensão.
A diferença é que todos ali são
doentes mentais. A casa é uma das
oito residências assistidas mantidas pelo hospital Cândido Ferreira, de Campinas. As casas estão
em diferentes bairros e são alugadas pelo hospital.
Uma vez por dia, uma terapeuta
ocupacional passa pela casa, checa
se os remédios estão sendo tomados na hora certa, fica ali umas
quatro horas. Em algumas casas, a
visita do terapeuta se limita a duas
ou três vezes por semana.
No meio da tarde, as visitas são
recebidas com biscoitos e café feito na hora. Marlene, 49, quer mostrar como é a casa, fala sem parar;
Mario, 54, se queixa das tantas
doenças que já teve; Benedita sorri
com os olhos apertados; Geni permanece parada num canto, Maria
olha sem dizer nada.
"Aqui é muito bom", repete
Marlene, mostrando cada uma das
peças da casa. Cada quarto tem
duas camas e um armário. Os homens ocupam o quarto de uma casa nos fundos. Roupas, cadeiras,
porta-retratos, tudo está no lugar.
Marlene e Mario gostam de falar
de suas vidas. "Eu era assim, uns
15 anos, cabelão comprido, quando fui morar no Cândido (o hospital)", conta Marlene. "Minha
mãe morreu de facada do meu pai,
foi na véspera do Ano Novo."
Mario já passou por muitos hospitais, há mais de 20 anos perdeu
as referências da família. "Saí de
Jundiaí em 49, saí para ir para o
Franco da Rocha, eu não queria
Sorocaba, aí atrapalharam eu no
caminho e fui parar em Casa Branca; até hoje estão falando mal de
mim lá; aqueles moleques pondo
veneno nos pés."
Quase 6h da tarde e Carlos chega
com uma sacola de verduras. Ele
passa o dia cuidando da horta do
hospital, toma dois ônibus, administra as finanças da casa. Tem 38
anos, três filhos e acabou internado depois que perdeu o emprego.
Os moradores da casa têm crédito na padaria e no açougue. E Benedita já é "cliente preferencial"
das Casas Bahia, onde comprou o
fogão quatro bocas que ela não sabe quanto custou.
Benedita foi, desde os 12 anos,
cozinheira de incontáveis patroas.
Casou-se aos 17. Durou dois anos,
até que uma outra mulher levou
seu marido, conta. Depois dos 20,
começaram as internações recorrentes. "Até que um dia não voltei
mais." Ficou internada, calcula,
mais 40 anos.
Os vizinhos sabem que os moradores vieram do hospital psiquiátrico, mas dizem não se incomodar com isso. "As vezes ele batem
aqui para conversar ou tomar café", diz a vizinha Tereza Marconato. Em pelo menos um dos bairros, os moradores se mudaram
porque não foram aceitos.
(AB)
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