São Paulo, domingo, 29 de novembro de 1998

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CASA DE PENSÃO
Grupo vive rotina de
família normal

da Reportagem Local

Na casa térrea de grades brancas da rua Maracaí, em Campinas, Benedita, 75, é sempre a primeira a se levantar. É ela que prepara o café pouco depois das 5h. Alexandre vai buscar pão na padaria, a duas quadras dali. Carlos sai para o trabalho antes das 6h.
Os outros moradores levantam em seguida: Mario, Geni, Maria e Marlene. Vão ajudar na arrumação da casa. A rotina, que vai terminar à noite diante da TV, lembra a de uma família qualquer. Ou melhor, lembra o cotidiano de uma república ou pensão.
A diferença é que todos ali são doentes mentais. A casa é uma das oito residências assistidas mantidas pelo hospital Cândido Ferreira, de Campinas. As casas estão em diferentes bairros e são alugadas pelo hospital.
Uma vez por dia, uma terapeuta ocupacional passa pela casa, checa se os remédios estão sendo tomados na hora certa, fica ali umas quatro horas. Em algumas casas, a visita do terapeuta se limita a duas ou três vezes por semana.
No meio da tarde, as visitas são recebidas com biscoitos e café feito na hora. Marlene, 49, quer mostrar como é a casa, fala sem parar; Mario, 54, se queixa das tantas doenças que já teve; Benedita sorri com os olhos apertados; Geni permanece parada num canto, Maria olha sem dizer nada.
"Aqui é muito bom", repete Marlene, mostrando cada uma das peças da casa. Cada quarto tem duas camas e um armário. Os homens ocupam o quarto de uma casa nos fundos. Roupas, cadeiras, porta-retratos, tudo está no lugar.
Marlene e Mario gostam de falar de suas vidas. "Eu era assim, uns 15 anos, cabelão comprido, quando fui morar no Cândido (o hospital)", conta Marlene. "Minha mãe morreu de facada do meu pai, foi na véspera do Ano Novo."
Mario já passou por muitos hospitais, há mais de 20 anos perdeu as referências da família. "Saí de Jundiaí em 49, saí para ir para o Franco da Rocha, eu não queria Sorocaba, aí atrapalharam eu no caminho e fui parar em Casa Branca; até hoje estão falando mal de mim lá; aqueles moleques pondo veneno nos pés."
Quase 6h da tarde e Carlos chega com uma sacola de verduras. Ele passa o dia cuidando da horta do hospital, toma dois ônibus, administra as finanças da casa. Tem 38 anos, três filhos e acabou internado depois que perdeu o emprego.
Os moradores da casa têm crédito na padaria e no açougue. E Benedita já é "cliente preferencial" das Casas Bahia, onde comprou o fogão quatro bocas que ela não sabe quanto custou.
Benedita foi, desde os 12 anos, cozinheira de incontáveis patroas. Casou-se aos 17. Durou dois anos, até que uma outra mulher levou seu marido, conta. Depois dos 20, começaram as internações recorrentes. "Até que um dia não voltei mais." Ficou internada, calcula, mais 40 anos.
Os vizinhos sabem que os moradores vieram do hospital psiquiátrico, mas dizem não se incomodar com isso. "As vezes ele batem aqui para conversar ou tomar café", diz a vizinha Tereza Marconato. Em pelo menos um dos bairros, os moradores se mudaram porque não foram aceitos. (AB)


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