São Paulo, domingo, 29 de novembro de 1998

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INSEGURANÇA
Violência usada para "disciplinar" presos é estopim de motins em penitenciárias de São Paulo, diz pesquisa
Agente penitenciário
incentivava rebelião

ERNESTO CREDENDIO
da Agência Folha,

Após 15 anos de estudos sobre o sistema carcerário do Estado de São Paulo, o pesquisador Luiz Carlos da Rocha, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Assis, concluiu que a maioria das rebeliões na região metropolitana de São Paulo e até no Estado é provocada ou incentivada pelos próprios funcionários dos presídios.
Doutor em psicologia pela USP (Universidade de São Paulo), Rocha entrevistou cerca de cem presos da Penitenciária do Estado, do Presídio Feminino da Capital e da Casa de Detenção de São Paulo, todas na Grande São Paulo.
O estopim que desencadeia o descontrole nas prisões, segundo Rocha, é a violência usada pelos agentes para "disciplinar" os detentos. "O preso e o carcereiro pertencem ao mesmo grupo socioeconômico. A violência é uma forma de degradar os presos para criar uma linha divisória entre eles e estabelecer a autoridade", diz.
Os guardas também ajudam a promover os motins, segundo a pesquisa, para boicotar os diretores de presídios que tentam adotar uma política de valorização dos direitos humanos nas prisões, e as armas e materiais usados nas fugas normalmente são introduzidos pelos próprios funcionários.
As teses do pesquisador encontram respaldo -com ressalvas- até de Francisco Santana, 45, diretor da Academia Penitenciária, que forma os agentes de segurança penitenciária.
"O que a pesquisa diz tem um fundo de verdade. Só acredito na mudança do sistema pela reeducação", diz Santana.
O ex-presidiário Mendes, 32, que cumpriu oito anos por homicídio, conta que o tráfico de drogas e a venda de armas nas prisões são controlados pelos agentes. Ele só se identifica por um de seus nomes por temer represálias.
"O que vale dentro da cadeia é o dinheiro. Se você tem dinheiro, consegue tudo", disse Mendes.
A degradação do nível de funcionalismo das prisões -o Estado terá 14 mil agentes até fevereiro de 99 - está provocando mudanças nos cursos preparatórios.
Neste ano, estão sendo contratados cerca de 5.000 agentes de presídios que, segundo o sindicato da categoria, entram despreparados.

Marginalizados
"O agente é tão marginalizado quanto o preso. Só lembram da gente quando procuram um culpado pelas rebeliões", disse o sindicalista Carlos Alberto de Souza Sant'Anna, 47, agente da penitenciária de Presidente Bernardes (605 km a oeste de SP).
Segundo ele, os agentes são excluídos da política de direitos humanos. "Quando um de nós sai de uma rebelião, tem de se submeter a qualquer serviço de saúde."
Segundo pesquisas realizadas pela Academia Penitenciária, cerca de 30% dos agentes de segurança dos presídios apresentam sinais de alcoolismo. Um em cada dez sofre de distúrbios psicológicos.
Mesmo nos horários de folga, os agentes se sentem perseguidos por ex-detentos e perdem a confiança de andar nas ruas.



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