São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

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URBANIDADE

As aulas práticas de Nathalia

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Nathalia Moreira Castro, de 16 anos, é um retrato de boa parte das adolescentes de sua geração. Fã de música eletrônica, gosta de andar pelos shopping centers e diverte-se em chats na internet. Não se interessa por política e quase não lê jornal. Seu comportamento mudou repentinamente quando descobriu que tratores passariam por cima de sua escola. "Comecei a prestar atenção às coisas como eu nunca tinha prestado antes."
A mudança ocorreu não apenas com Nathalia mas com a maioria de seus colegas da escola Martim Francisco, na Vila Nova Conceição, em São Paulo. Já com a cabeça nas férias, eles souberam que a prefeitura venderia a escola, sem licitação, para dar lugar a algum empreendimento imobiliário de luxo. Em troca, a cidade ganharia um terreno na periferia, onde supostamente se ergueria um conjunto habitacional, com recursos federais. "Na minha vida, nunca tinha participado de nenhum protesto."
Com os demais alunos, Nathalia aderiu à mobilização para evitar que os vereadores aprovassem o fim de sua escola. Em apenas um mês, recebeu, na prática, um curso intensivo de cidadania. Assistindo a reuniões, sentada no plenário ou percorrendo os corredores da Câmara Municipal, aprendeu rudimentos do funcionamento do Legislativo, dos partidos e do Ministério Público. Viu-se lendo, interessada, os jornais. "Queria entender o que estava se passando." Sentia-se não uma espectadora, mas uma personagem em ação.
Durante dois dias na semana passada, ela esteve no plenário da Câmara e, abatida, aprendeu mais uma lição: o poder de convencimento dos governantes. "Tinha a ilusão de que eles não teriam coragem de acabar com uma escola."
Nathalia e seus amigos ainda não desistiram. Confiam em que a Justiça vá barrar a transação. Está prevista para hoje de manhã uma manifestação em frente à escola, onde pretendem fazer uma ocupação simbólica.
Ela diz que não consegue entender como, num final de mandato, se troca uma escola numa área nobre por um terreno na periferia, sujeito a invasões, sem a garantia de que o próximo governo terá interesse em utilizá-lo. "Por que não esperar mais um pouco?" Essa é uma lição um pouco mais complexa. Nathalia terá de esperar, pelo menos, o próximo ano para, em seu curso intensivo de política, tentar entendê-la.

E-mail - gdimen@uol.com.br

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