São Paulo, quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

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MAPA DA VIOLÊNCIA

Líder de morte no trânsito tem buracos de 2m

Atravessada pela rodovia Régis Bittencourt, Barra do Turvo, em SP, tem a maior taxa de mortes por transporte do país

Não há controle de velocidade e placas estão cobertas por mato; 10% dos óbitos são moradores, o resto são motoristas de todo o país

ALENCAR IZIDORO
ENVIADO ESPECIAL A BARRA DO TURVO (SP)

À primeira vista, seria difícil imaginar na liderança do ranking de acidentes de transporte no Brasil um município com 65% de sua população rural e economia baseada na agricultura de subsistência. Mas a explicação para Barra do Turvo (a 375 km de SP) ocupar esse posto é simples: ela é atravessada por sinuosos 45 km da Régis Bittencourt, principal ligação de São Paulo à região Sul.
E não é só a geometria que agrava as condições dessa rodovia. Apesar de seguidos tombamentos, capotamentos e colisões de veículos nos últimos anos, a pista segue com infra-estrutura deficiente: buracos de até dois metros tomam conta do asfalto, acostamentos e placas de sinalização em pontos estratégicos estão encobertos pelo mato e não havia ontem nenhum radar de controle da velocidade em funcionamento nesse trecho.
Barra do Turvo tem a mais alta taxa de mortes em acidentes com transporte do país: 273,4 por 100 mil habitantes -Peixoto de Azevedo (MT) vem em segundo (203,2), e Barbalha (CE), em terceiro (183,4).
Essas condições que se repetem desde a última década já trouxeram fama ao município: paraíso dos guincheiros. A área abriga quase uma dezena de bases que atendem principalmente carretas acidentadas ou quebradas. O sistema é sofisticado. Eles ficam de ouvido grudado no rádio amador que monitora a comunicação dos caminhoneiros. Não é à toa que são quase sempre os primeiros a chegar, antes da ambulância ou da Polícia Rodoviária Federal. Muitas vezes, junto com os saqueadores de cargas tombadas, comuns nas imediações.
A rapidez com que chegam após um acidente é motivo de orgulho. A última moda é fotografar os carros envolvidos.
Edicléio José Viera, 31, acumula seis painéis com fotos das tragédias dos últimos cinco meses. "Ainda tenho um monte para revelar", conta. Há também os que guardam as imagens no celular, como Luiz Fernando de Moura, 27, que mostrava ontem os vídeos de acidentes que acompanhou.
Esses socorristas do mercado paralelo -que cobram a partir de R$ 250- já provocou polêmica. O apresentador Carlos Massa, o Ratinho, sofreu um acidente em 2004 na Régis Bittencourt, próximo a Barra do Turvo, em que morreu seu motorista, após colidir com um caminhão. São freqüentes os comentários de que os guincheiros derramariam óleo na pista para causar acidentes, roubar motoristas e saquear as cargas. Mas eles negam, assim como a Polícia Rodoviária Federal.
"As acusações nunca foram comprovadas. E essa questão do saque das cargas é uma característica de vários lugares", afirma Juarez Barbosa Ferreira Cardoso, inspetor da PRF.

Alvoroço
Se nas imediações da Régis os moradores -geralmente de áreas invadidas do parque estadual de Jacupiranga- já se acostumaram com os acidentes, os habitantes urbanos de Barra do Turvo convivem em ruas vazias com muitas bicicletas e até alguns cavalos. São poucos os carros -a população nem sequer atinge 10 mil, é pobre e tem um dos IDHs (índice de desenvolvimento humano) mais baixos do Estado.
O acidente que mais deixou os moradores perplexos, conforme relatos colhidos ontem, foi no semestre passado, quando dois jovens alcoolizados capotaram na via que leva a Iporanga. "É um fato que vai ficar marcado durante anos por aqui", afirma Carlos Alberto Roesler, secretário de administração de Barra do Turvo -ele mesmo vítima, há duas semanas, dos problemas da Régis, quando sua Veraneio teve o eixo quebrado em um buraco.
Já os acidentes na rodovia não chegam mais a provocar tanto alvoroço no município. Segundo a prefeitura, só 10% das certidões de óbito registradas em Barra do Turvo são de habitantes da região. Os demais são motoristas de todo o país acidentados na estrada.

Outro lado
O inspetor Juarez Barbosa Ferreira Cardoso, da PRF, diz que as curvas da Régis Bittencourt são um agravante de acidentes no trecho de Barra do Turvo, mas defende que a razão principal ainda está ligada à imprudência ou à desatenção dos motoristas. Os radares que deveriam fiscalizar a velocidade na região, segundo ele, estão passando por revisão, mas devem voltar no Carnaval.
Ricardo Madalena, superintendente do Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) em São Paulo, diz que a manutenção da Régis esteve abandonada durante os últimos meses de 2007 devido ao processo de concessão da rodovia à iniciativa privada -que pode ser concluído no mês que vem.
Mas afirma que acabou retomando os trabalhos há um mês, desde que assumiu esse posto. "Não foi possível dar conta de tudo nesse prazo. Mas pedi prioridade, já colocamos mais placas e tapamos mais buracos. Está melhor do que antes."


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