São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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RETRATOS DA SOLIDÃO

Ministério Público é acionado para tentar convencer os parentes a buscarem seus doentes nos hospitais

Rejeição familiar pode gerar ação na Justiça

DA REPORTAGEM LOCAL

Não é só com casos de esquecimento de pacientes e desatenção que hospitais têm de lidar, mas também com situações mais graves, em que já se configura uma rejeição da família.
Bruna, de um ano, foi abandonada ao nascer no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo. Com dificuldades para ganhar peso, os médicos verificaram que ela sofre de um distúrbio de desenvolvimento.
A menina, então, foi encaminhada ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Suzano, Grande São Paulo, que faz retaguarda para a unidade da capital. E lá já se encontra na etapa final de um processo de adoção. "As pessoas escondem a dor, mas é importante que aprendam a lidar [com isso]. A tecnologia permite que a pessoa sobreviva", diz a psicóloga Ana Maria de Paula, ouvidora do hospital de Suzano.
No local, que já teve muitos pacientes "esquecidos" e rejeitados pela família, foram implantados eventos para atrair familiares, além de auxílios sociais para visitas, como financiamento de transporte e alimentação. Hoje, poucos casos preocupam, como o de uma mulher, que levou um tiro no rosto e em sete anos de internação foi visitada pela família em apenas três ocasiões.
A Santa Casa de São Paulo levou para o Ministério Público dois casos em razão de recusas das famílias em amparar seus doentes. O rapaz Z.S.M., 29, que se recupera das seqüelas de um acidente de carro, teve alta, mas foi rejeitado pela própria mãe, que dizia já ter passado muito trabalho com o filho. O rapaz comunica-se com dificuldade, mas na única fala à reportagem disse "Salvador", cidade onde vive sua mãe.
Outro caso difícil é o de D.F.S., 55, que tem seqüelas graves de um derrame. Solteiro, e liberado para voltar para casa, ele quer morar com os sobrinhos, que não o querem. O Ministério Público também foi acionado para tentar uma mediação formal com a família. Caso não haja acordo, pode acusá-la de abandono na Justiça.
Segundo o delegado Oscar Ferraz Gomes, titular da delegacia do idoso da capital, caracterizar o abandono, para todas as faixas etárias, não é fácil. Deixar desamparado idosos em hospital é crime, assim com o abandono material de adultos que não tenham como se sustentar sozinhos. Mas se houver visitas, mesmo que esporádicas, não há como acusar a família de abandono.
O caso de I., 43, é mais um que causa discussão. Também com seqüelas de um derrame, seu marido a deixou no hospital e foi viver no Japão. Os dois filhos adolescentes estão com a cunhada. O hospital já permitiu que ela volte para casa, mas ainda negocia com a família, que resiste. As visitas são cada vez mais raras. "O que eu mais quero é ir embora. Pelo menos vou estar perto dos filhos", afirmou. (FABIANE LEITE)


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