São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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SAÚDE

Poluição pode afetar fertilidade masculina

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

A qualidade dos espermatozóides caiu nas últimas décadas e uma das explicações pode ser a poluição ambiental ou ocupacional nos países industrializados.
Problemas de morfologia e de motilidade (faculdade de mover-se) dos espermatozóides são os principais fatores da infertilidade masculina, que atinge de 10% a 15% dos homens em idade fértil, segundo a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva.
Alguns estudos internacionais indicam uma redução média de 50% na concentração espermática de homens que vivem em países industrializados.
Um deles analisa amostras seminais de dois grupos de homens de 18 anos que viviam nas zonas rural e urbana da República Tcheca. Os homens expostos à poluição do ar apresentavam mais frequentemente alteração da motilidade e morfologia e da estrutura da cromatina dos espermatozóides (medida da integridade genética) do que os jovens menos expostos, que viviam na zona rural.
No Brasil ainda não há um estudo amplo sobre o assunto. Uma pesquisa realizada pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), com 10.842 espermogramas, no período de 1990 a 1999, indica uma queda na qualidade dos espermatozóides ao longo dos anos.
Segundo o urologista Paulo Augusto Neves, 44, responsável pelo setor de infertilidade masculina da Unicamp, o estudo mostra um declínio da motilidade e da porcentagem de espermatozóides normais, o que eleva as taxas de infertilidade. Metade dos problemas de esterilidade é atribuída a causas masculinas.
Neves e o também urologista Nelson Rodrigues Netto Júnior lançaram na semana passada um livro sobre infertilidade masculina, a primeira obra que trata estritamente desse problema na América Latina.
Neves diz que há vários estudos sugerindo que a exposição ambiental ou ocupacional a compostos químicos alteraria o equilíbrio endócrino e poderia ser uma das causas da infertilidade masculina. Contudo, há outras pesquisas que não reconhecem essa relação.
Além do declínio da produção espermática, ele diz que em vários países houve um aumento da incidência do câncer de testículo e de outras alterações do trato reprodutivo masculino como a hipospádia (desenvolvimento insuficiente da uretra em seu trajeto peniano) e criptorquidia (ausência de testículo no escroto).
Em palestra realizada no mês passado no Hospital Albert Einstein, a pesquisadora americana Rebecca Sokol disse que estudos clínicos e com animais têm identificado várias substâncias químicas como sendo tóxicas para o aparelho reprodutivo. Entre elas estariam os resíduos industriais, os pesticidas e metais pesados.
Segundo Rebecca, metais pesados têm sido relatados como tóxicos para a fertilidade masculina. A exposição ao chumbo, por exemplo, altera a função espermática e dos hormônios reprodutivos, e o contato com o cádmio pode destruir a irrigação testicular, reduzindo a fertilidade. O crômio pode interferir na motilidade do espermatozóide.
O técnico em química João Carlos Gomes, 36, atribui a má qualidade de seus espermatozóides ao contato que teve com produtos químicos no período em que trabalhou na Rhodia de Cubatão.
A unidade, que produzia o ultratóxico "pó-da-china" e solventes clorados, está interditada desde 1993. A Rhodia não acredita que os problemas de fertilidade estejam ligados à contaminação.
Gomes possui espermatozóides com problemas de motilidade e morfologia, o que teria dificultado a gravidez da sua mulher durante cinco anos.
Ele chegou a fazer uma cirurgia e a tomar medicamentos à base de citrato de clomifeno durante um ano para melhorar a qualidade espermática, mas o tratamento não surtiu efeito.
Em 1997, quando já pensavam em fazer uma fertilização in vitro, a mulher de Gomes engravidou naturalmente do menino L.U., único filho do casal.
Gomes move uma ação civil contra o INSS, em que tenta vincular seu problema de fertilidade com a contaminação sofrida.
Uma das substâncias encontradas no seu sangue é o hexaclorobenzeno (HCB), considerado um interruptor endócrino, que tem sido associado à redução do número de espermatozóides.

Água
Há estudos que também relacionam a queda da fertilidade masculina ao consumo de água contaminada por hormônios -como o estrógeno e a progesterona- e por metais pesados.
Segundo Edson Borges Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, uma pesquisa está sendo feita em São Paulo para avaliar a influência da água na qualidade dos espermatozóides. Foram coletadas amostras em vários locais na cidade. Os resultados saem em um mês.
Para o médico Jorge Adad Filho, pesquisador na área de reprodução humana da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os estudos que relacionam o fator ambiental à queda da fertilidade estão no caminho certo, mas ainda são muito inconclusivos. "Ainda não dá para provar nada."


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