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Alcoolismo assola populações indígenas
AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE
Populações indígenas, incluindo crianças, estão misturando cachaça, álcool de limpeza e até perfumes baratos nas suas bebidas
tradicionais, como o caxiri, feito
com a mandioca. O resultado vem
sendo devastador em dezenas de
grupos, nos quais mais da metade
dos adultos se embebedam com
frequência. "Boa parte das crianças também estão bebendo", disse Ailson dos Santos Ysôtruká,
um dos líderes da tribo Truká, de
Pernambuco.
O alerta vem sendo dado na 1ª
Conferência Internacional sobre
Consumo de Álcool e Redução de
Danos, que acontece em Recife,
onde estão presentes representantes de 14 etnias. "Para os índios, o alcoolismo está ligado a
questões bem mais complexas,
como a delimitação de suas terras,
a invasão por garimpeiros, madeireiros e grileiros, a perda de
suas referências culturais e a ociosidade", disse o antropólogo Renato Athias, da Universidade Federal de Pernambuco.
No encontro de Recife, os líderes indígenas disseram que o alcoolismo é promovido por estranhos à tribo como forma de enfraquecer as etnias, diminuindo a
auto-estima e a resistência e facilitando a ocupação de suas terras.
O paradoxal é que o Estatuto do
Índio, de 1973, proíbe que se venda bebida alcoólica aos índios, o
que os leva a comprar clandestinamente e a misturar substâncias
como álcool de limpeza.
Pamela Alves Gil, médica do
convênio entre o Conselho Indígena de Roraima e a Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) disse
que nas tribos Macuxi e Wapixana os índios estão misturando fermento de pão a bebidas tradicionais para aumentar os efeitos do
álcool. Segundo ela, o uso de bebidas destiladas é prática recente.
Isso explica o fato de 20% das
mortes nas tribos de Roraima serem por causas externas, o que
não acontecia uma década atrás.
Carmen Andrade, do grupo
Pankararu, entre Pernambuco e
Bahia, diz que o alcoolismo está
reduzindo a auto-estima dos índios, que não se sentem mais motivados a contar histórias para as
crianças e a conservarem tradições e costumes.
Prostitutas
Outro grupo considerado em
risco para o abuso do álcool é o
das prostitutas, também presentes na conferência. Para elas, a redução de danos ou de riscos já é
prática de muitos anos, um acerto
entre mulheres e o garçom. "Se
tomasse todos os uísques que o
dono do bar gostaria que tomasse
ou que o freguês lhe oferece, ela
amanheceria quebrada", diz Gabriela Silva Leite, coordenadora
da associação Davida, do Rio, e da
Rede Brasileira de Profissionais
do Sexo. "Quando ela pede ao
garçom que lhe sirva seu uísque
preferido, ele vai servir guaraná."
Ao evitar beber em excesso, as
mulheres ficam em melhor situação para negociar o programa, fazer sexo com camisinha e proteger-se de possível violência.
Gabriela diz que a prostituição
já consta da Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do
Trabalho e que elas batalham agora pela aprovação de projeto de lei
regulamentando bares e boates
onde trabalham. "Por ser contravenção, a atividade dos nossos patrões não é reconhecida e nós não
temos como exigir direitos."
Aureliano Biancarelli viajou a convite da Conferência Internacional sobre Consumo de Álcool e Redução de Danos
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