São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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Alcoolismo assola populações indígenas

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

Populações indígenas, incluindo crianças, estão misturando cachaça, álcool de limpeza e até perfumes baratos nas suas bebidas tradicionais, como o caxiri, feito com a mandioca. O resultado vem sendo devastador em dezenas de grupos, nos quais mais da metade dos adultos se embebedam com frequência. "Boa parte das crianças também estão bebendo", disse Ailson dos Santos Ysôtruká, um dos líderes da tribo Truká, de Pernambuco.
O alerta vem sendo dado na 1ª Conferência Internacional sobre Consumo de Álcool e Redução de Danos, que acontece em Recife, onde estão presentes representantes de 14 etnias. "Para os índios, o alcoolismo está ligado a questões bem mais complexas, como a delimitação de suas terras, a invasão por garimpeiros, madeireiros e grileiros, a perda de suas referências culturais e a ociosidade", disse o antropólogo Renato Athias, da Universidade Federal de Pernambuco.
No encontro de Recife, os líderes indígenas disseram que o alcoolismo é promovido por estranhos à tribo como forma de enfraquecer as etnias, diminuindo a auto-estima e a resistência e facilitando a ocupação de suas terras.
O paradoxal é que o Estatuto do Índio, de 1973, proíbe que se venda bebida alcoólica aos índios, o que os leva a comprar clandestinamente e a misturar substâncias como álcool de limpeza.
Pamela Alves Gil, médica do convênio entre o Conselho Indígena de Roraima e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) disse que nas tribos Macuxi e Wapixana os índios estão misturando fermento de pão a bebidas tradicionais para aumentar os efeitos do álcool. Segundo ela, o uso de bebidas destiladas é prática recente. Isso explica o fato de 20% das mortes nas tribos de Roraima serem por causas externas, o que não acontecia uma década atrás.
Carmen Andrade, do grupo Pankararu, entre Pernambuco e Bahia, diz que o alcoolismo está reduzindo a auto-estima dos índios, que não se sentem mais motivados a contar histórias para as crianças e a conservarem tradições e costumes.

Prostitutas
Outro grupo considerado em risco para o abuso do álcool é o das prostitutas, também presentes na conferência. Para elas, a redução de danos ou de riscos já é prática de muitos anos, um acerto entre mulheres e o garçom. "Se tomasse todos os uísques que o dono do bar gostaria que tomasse ou que o freguês lhe oferece, ela amanheceria quebrada", diz Gabriela Silva Leite, coordenadora da associação Davida, do Rio, e da Rede Brasileira de Profissionais do Sexo. "Quando ela pede ao garçom que lhe sirva seu uísque preferido, ele vai servir guaraná."
Ao evitar beber em excesso, as mulheres ficam em melhor situação para negociar o programa, fazer sexo com camisinha e proteger-se de possível violência.
Gabriela diz que a prostituição já consta da Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e que elas batalham agora pela aprovação de projeto de lei regulamentando bares e boates onde trabalham. "Por ser contravenção, a atividade dos nossos patrões não é reconhecida e nós não temos como exigir direitos."


Aureliano Biancarelli viajou a convite da Conferência Internacional sobre Consumo de Álcool e Redução de Danos


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