São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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Doação de filtro para usuário de crack pode ser suspensa

FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

A oposição do Ministério Público deverá levar à interrupção de um projeto da Secretaria Municipal da Saúde de Santos (litoral paulista) destinado a diminuir o dano à saúde dos usuários de crack por meio da distribuição de filtros que são acoplados aos cachimbos pelos viciados na droga.
Os promotores da Cidadania Cléver Vasconcelos e Eduardo Romeiro enviaram anteontem um ofício à prefeitura solicitando informações sobre o projeto, mas já decidiram que solicitarão o encerramento do programa.
"Vamos pedir à prefeitura que acabe com o projeto. Do contrário, entraremos com ação. Está havendo facilitação do uso da droga. Seria o mesmo que o governo fornecer armas à população para combater a violência", disse Vasconcelos.
Procurado pela Agência Folha, o secretário municipal da Saúde, Tomas Soderberg, afirmou que os resultados do projeto "apontam na direção" da redução de danos à saúde dos usuários, mas admitiu suspendê-lo. "Se a Promotoria entender assim, a gente interrompe. O que nos interessa é a discussão científica", disse.
Em 89, Santos foi a cidade pioneira no Brasil em um programa similar, obstruído na Justiça pelo Ministério Público. O programa distribuía seringas descartáveis a usuários de drogas injetáveis como forma de reduzir o risco de contaminação pelo vírus da Aids.

Perfil
A ação de distribuir os filtros para cachimbos resultou de pesquisa da psicóloga Luciana Villarinho, coordenadora do projeto, que traçou um perfil dos usuários de crack em Santos. Segundo ela, os filtros, semelhantes aos de cigarro, reduzem os efeitos nocivos do compartilhamento do cachimbo, como o risco de os usuários contraírem doenças como herpes labial e hepatites A, B e C.
Usado como uma piteira, o filtro fica com uma ponta para dentro e outra para fora do cachimbo. Com isso os usuários de crack deixam de ter contato labial com o cachimbo, embora o utilizem coletivamente.
Luciana afirmou que levantamento anterior ao uso de filtro indicou que 79,8% de um grupo de 109 usuários entrevistados compartilhavam cachimbos. Em novembro do ano passado, nove meses após o início da distribuição, em estojos com 50 unidades e um folheto explicativo de como usar, a adesão dos usuários aos filtros -não compartilhados com colegas- era de 95%.
"Eles relataram melhora respiratória significativa e superaram o cansaço e a tosse porque deixaram de consumir as partículas com impurezas presentes no crack", disse a coordenadora.
Segundo ela, o trabalho não se resume à distribuição dos filtros. Os quatro agentes vinculados ao projeto aproveitam o contato com os usuários de crack para distribuir preservativos, oferecer noções básicas de saúde e encaminhá-los para os serviços públicos de assistência médica.
"Isso é um ganho muito grande do projeto. Eles observam o filtro totalmente preto depois do uso. Antes, aquilo era absorvido pelo organismo deles. É uma percepção de saúde", disse. Segundo ela, o trabalho já levou dois usuários a abandonar o vício.
O projeto obteve financiamento de R$ 37 mil do Ministério da Saúde e do Programa das Nações Unidas para o Controle de Drogas. O dinheiro serviu para a compra de um lote de 70 mil filtros -dos quais já foram distribuídos pelo menos 5.000-, para o financiamento das pesquisas e o pagamento dos agentes na fase inicial -atualmente, o salário deles é pago pela prefeitura.
O delegado Luiz Henrique Ribeiro Artaxo, titular da Dise (Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes), se diz contrário ao projeto. Para ele, "é preciso tomar muito cuidado para não fazer apologia da droga". Em Santos, a Polícia Civil mantém um programa de assistência a viciados em drogas que oferece atendimento gratuito de dois psicólogos e encaminha usuários para tratamento em clínicas especializadas.


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