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Doação de filtro para usuário de crack pode ser suspensa
FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS
A oposição do Ministério Público deverá levar à interrupção de
um projeto da Secretaria Municipal da Saúde de Santos (litoral
paulista) destinado a diminuir o
dano à saúde dos usuários de
crack por meio da distribuição de
filtros que são acoplados aos cachimbos pelos viciados na droga.
Os promotores da Cidadania
Cléver Vasconcelos e Eduardo
Romeiro enviaram anteontem
um ofício à prefeitura solicitando
informações sobre o projeto, mas
já decidiram que solicitarão o encerramento do programa.
"Vamos pedir à prefeitura que
acabe com o projeto. Do contrário, entraremos com ação. Está
havendo facilitação do uso da
droga. Seria o mesmo que o governo fornecer armas à população para combater a violência",
disse Vasconcelos.
Procurado pela Agência Folha,
o secretário municipal da Saúde,
Tomas Soderberg, afirmou que os
resultados do projeto "apontam
na direção" da redução de danos à
saúde dos usuários, mas admitiu
suspendê-lo. "Se a Promotoria
entender assim, a gente interrompe. O que nos interessa é a discussão científica", disse.
Em 89, Santos foi a cidade pioneira no Brasil em um programa
similar, obstruído na Justiça pelo
Ministério Público. O programa
distribuía seringas descartáveis a
usuários de drogas injetáveis como forma de reduzir o risco de
contaminação pelo vírus da Aids.
Perfil
A ação de distribuir os filtros para cachimbos resultou de pesquisa da psicóloga Luciana Villarinho, coordenadora do projeto,
que traçou um perfil dos usuários
de crack em Santos. Segundo ela,
os filtros, semelhantes aos de cigarro, reduzem os efeitos nocivos
do compartilhamento do cachimbo, como o risco de os usuários
contraírem doenças como herpes
labial e hepatites A, B e C.
Usado como uma piteira, o filtro fica com uma ponta para dentro e outra para fora do cachimbo.
Com isso os usuários de crack
deixam de ter contato labial com
o cachimbo, embora o utilizem
coletivamente.
Luciana afirmou que levantamento anterior ao uso de filtro indicou que 79,8% de um grupo de
109 usuários entrevistados compartilhavam cachimbos. Em novembro do ano passado, nove
meses após o início da distribuição, em estojos com 50 unidades e
um folheto explicativo de como
usar, a adesão dos usuários aos filtros -não compartilhados com
colegas- era de 95%.
"Eles relataram melhora respiratória significativa e superaram o
cansaço e a tosse porque deixaram de consumir as partículas
com impurezas presentes no
crack", disse a coordenadora.
Segundo ela, o trabalho não se
resume à distribuição dos filtros.
Os quatro agentes vinculados ao
projeto aproveitam o contato
com os usuários de crack para
distribuir preservativos, oferecer
noções básicas de saúde e encaminhá-los para os serviços públicos
de assistência médica.
"Isso é um ganho muito grande
do projeto. Eles observam o filtro
totalmente preto depois do uso.
Antes, aquilo era absorvido pelo
organismo deles. É uma percepção de saúde", disse. Segundo ela,
o trabalho já levou dois usuários a
abandonar o vício.
O projeto obteve financiamento
de R$ 37 mil do Ministério da
Saúde e do Programa das Nações
Unidas para o Controle de Drogas. O dinheiro serviu para a compra de um lote de 70 mil filtros
-dos quais já foram distribuídos
pelo menos 5.000-, para o financiamento das pesquisas e o pagamento dos agentes na fase inicial
-atualmente, o salário deles é
pago pela prefeitura.
O delegado Luiz Henrique Ribeiro Artaxo, titular da Dise (Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes), se diz contrário ao
projeto. Para ele, "é preciso tomar
muito cuidado para não fazer
apologia da droga". Em Santos, a
Polícia Civil mantém um programa de assistência a viciados em
drogas que oferece atendimento
gratuito de dois psicólogos e encaminha usuários para tratamento em clínicas especializadas.
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