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DIREITOS HUMANOS
Iniciativa inclui anúncios na televisão e no rádio e cartazes e folders para estimular denúncias contra o crime
Governo prepara campanha contra tortura
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Um homem tem a cabeça mergulhada num tanque. É espancado. O agressor -que usa coturnos e exibe algemas- exige informações. Um terceiro homem
vê a cena. Corre, procura um telefone, denuncia.
Um comercial de 30 segundos
vai contar essa história na televisão para falar de um problema cotidiano no Brasil: a tortura.
O comercial é a peça principal
da campanha que será lançada
pela Secretaria de Direitos Humanos, órgão do Ministério da Justiça. As gravações foram realizadas
durante a madrugada de sexta-feira, em uma estação ferroviária
no Núcleo Bandeirante, cidade-satélite de Brasília.
Na semana que vem, já editado,
o comercial vai ser exibido para o
governo federal, para aprovação e
autorização do lançamento da
campanha.
"Vou usar gritos do torturador,
que exige respostas, e gritos de
dor do torturado. Tudo será mais
sugerido do que mostrado, porque precisamos exibir o comercial em qualquer horário, para
que ele seja visto por públicos diferentes", afirma o diretor do
anúncio, Oswaldo Zanetti.
As algemas e os coturnos, por
exemplo, simbolizam a tortura
como crime praticado por agentes do Estado: o policial, o agente
penitenciário, o responsável pela
guarda de menores infratores.
O final do filme, quando o cidadão (agora mostrado como sombra, simbolizando o anonimato)
telefona para contar o que viu, dá
o rumo da campanha: "Tortura é
Crime. Denuncie".
Será divulgado então o número
do SOS Tortura, criado para receber denúncias anônimas pelo telefone 0800-7075551.
"Crime hediondo"
O secretário de Estado de Direitos Humanos, embaixador Gilberto Saboia, disse que será a primeira vez que o governo brasileiro fará uma campanha explícita
de combate à tortura.
"Queremos mostrar à população que a tortura é um crime. Ainda há quem ache que todo tipo de
ação repressiva é válida. Tortura
não é um mecanismo de investigação, é um crime hediondo",
afirmou Saboia.
Um levantamento feito pelo
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça mostra
que o número de ações judiciais
com base na Lei da Tortura (em
vigor desde abril de 1997) cresceu
109% de dezembro de 1999 até
agosto deste ano: o número de denúncias feitas pelo Ministério Público pulou de 240 para 502. Só
houve, porém, 18 condenações.
Apesar do aumento de denúncias, ainda são comuns casos em
que crimes de tortura são levados
à Justiça como acusações de lesão
corporal -que pode gerar pena
de três meses a cinco anos de detenção, quando a pena para o crime de tortura é de dois a 21 anos.
O relator das Nações Unidas
contra a Tortura, Nigel Rodley, visitou o Brasil no ano passado e colheu 350 denúncias de tortura em
seis Estados. Qualificou o que viu
de "apavorante" e "indescritível
assalto aos sentidos".
Seu relatório faz várias recomendações, como a criação de
instituições independentes para
investigar casos de violência policial, o controle da superlotação
nos presídios, a presença de médicos para examinar os presos e
ainda o aumento do número de
defensores públicos.
Outras medidas
O embaixador Saboia disse que
outras medidas estão em estudo,
mas que muitas não dependem só
do governo federal. O embaixador citou como exemplo a criação
das ouvidorias independentes
nos Estados para apurar casos de
violência policial (hoje há 11 em
funcionamento).
"É preciso também um trabalho
de capacitação e sensibilização do
Poder Judiciário, para a aplicação
da lei de forma adequada", afirmou o embaixador.
A campanha de mídia, com comercial de TV e rádio, cartazes e
folders, custou R$ 180 mil. O comercial para a televisão ficará no
ar inicialmente por um mês, com
veiculação gratuita.
Um convênio de R$ 763 mil assinado com o Movimento Nacional de Direitos Humanos vai implementar o SOS Tortura, com
um escritório central em Brasília e
filiais em mais 20 Estados.
Uma terceira fase da campanha,
que deverá ser iniciada no final
deste ano ou no início do ano que
vem, prevê o treinamento de profissionais do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública para lidar com as denúncias
de tortura que forem recebidas.
"Sabemos que a campanha não
vai resolver todos os problemas. A
idéia é dar um passo de cada vez",
afirmou Renata Pelizon, assessora
técnica na secretaria.
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