São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2001

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DIREITOS HUMANOS

Iniciativa inclui anúncios na televisão e no rádio e cartazes e folders para estimular denúncias contra o crime

Governo prepara campanha contra tortura

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Um homem tem a cabeça mergulhada num tanque. É espancado. O agressor -que usa coturnos e exibe algemas- exige informações. Um terceiro homem vê a cena. Corre, procura um telefone, denuncia.
Um comercial de 30 segundos vai contar essa história na televisão para falar de um problema cotidiano no Brasil: a tortura.
O comercial é a peça principal da campanha que será lançada pela Secretaria de Direitos Humanos, órgão do Ministério da Justiça. As gravações foram realizadas durante a madrugada de sexta-feira, em uma estação ferroviária no Núcleo Bandeirante, cidade-satélite de Brasília.
Na semana que vem, já editado, o comercial vai ser exibido para o governo federal, para aprovação e autorização do lançamento da campanha.
"Vou usar gritos do torturador, que exige respostas, e gritos de dor do torturado. Tudo será mais sugerido do que mostrado, porque precisamos exibir o comercial em qualquer horário, para que ele seja visto por públicos diferentes", afirma o diretor do anúncio, Oswaldo Zanetti.
As algemas e os coturnos, por exemplo, simbolizam a tortura como crime praticado por agentes do Estado: o policial, o agente penitenciário, o responsável pela guarda de menores infratores.
O final do filme, quando o cidadão (agora mostrado como sombra, simbolizando o anonimato) telefona para contar o que viu, dá o rumo da campanha: "Tortura é Crime. Denuncie".
Será divulgado então o número do SOS Tortura, criado para receber denúncias anônimas pelo telefone 0800-7075551.

"Crime hediondo"
O secretário de Estado de Direitos Humanos, embaixador Gilberto Saboia, disse que será a primeira vez que o governo brasileiro fará uma campanha explícita de combate à tortura.
"Queremos mostrar à população que a tortura é um crime. Ainda há quem ache que todo tipo de ação repressiva é válida. Tortura não é um mecanismo de investigação, é um crime hediondo", afirmou Saboia.
Um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça mostra que o número de ações judiciais com base na Lei da Tortura (em vigor desde abril de 1997) cresceu 109% de dezembro de 1999 até agosto deste ano: o número de denúncias feitas pelo Ministério Público pulou de 240 para 502. Só houve, porém, 18 condenações.
Apesar do aumento de denúncias, ainda são comuns casos em que crimes de tortura são levados à Justiça como acusações de lesão corporal -que pode gerar pena de três meses a cinco anos de detenção, quando a pena para o crime de tortura é de dois a 21 anos.
O relator das Nações Unidas contra a Tortura, Nigel Rodley, visitou o Brasil no ano passado e colheu 350 denúncias de tortura em seis Estados. Qualificou o que viu de "apavorante" e "indescritível assalto aos sentidos".
Seu relatório faz várias recomendações, como a criação de instituições independentes para investigar casos de violência policial, o controle da superlotação nos presídios, a presença de médicos para examinar os presos e ainda o aumento do número de defensores públicos.

Outras medidas
O embaixador Saboia disse que outras medidas estão em estudo, mas que muitas não dependem só do governo federal. O embaixador citou como exemplo a criação das ouvidorias independentes nos Estados para apurar casos de violência policial (hoje há 11 em funcionamento).
"É preciso também um trabalho de capacitação e sensibilização do Poder Judiciário, para a aplicação da lei de forma adequada", afirmou o embaixador.
A campanha de mídia, com comercial de TV e rádio, cartazes e folders, custou R$ 180 mil. O comercial para a televisão ficará no ar inicialmente por um mês, com veiculação gratuita.
Um convênio de R$ 763 mil assinado com o Movimento Nacional de Direitos Humanos vai implementar o SOS Tortura, com um escritório central em Brasília e filiais em mais 20 Estados.
Uma terceira fase da campanha, que deverá ser iniciada no final deste ano ou no início do ano que vem, prevê o treinamento de profissionais do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública para lidar com as denúncias de tortura que forem recebidas.
"Sabemos que a campanha não vai resolver todos os problemas. A idéia é dar um passo de cada vez", afirmou Renata Pelizon, assessora técnica na secretaria.



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