São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Ainda os sinais do terremoto

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Por princípio, não dou muito valor a visões estrangeiras sobre as coisas brasileiras, salvo se emitidas por pessoas que, além de valor cultural, tenham vivido por tempo razoável a realidade nacional. Por isso não destaquei opiniões do relator especial da ONU sobre o nosso Judiciário nas suas duas semanas de visita ao país. Muito mais significativa a recente pesquisa qualitativa intitulada Imagem do Poder Judiciário, feita a pedido da AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros, publicada há pouco.
Cláudio Baldino Miguel, presidente da entidade, na abertura, considera o levantamento "importante ferramenta de suporte para estudos e debates" a respeito da magistratura nacional. Lendo-a, chega-se à mesma conclusão, porquanto se trata de trabalho cuidadoso, sem os bordões da linguagem complicada e defensiva da magistratura.
Extraio o resumo de algumas das conclusões da pesquisa, a começar pelo baixo conhecimento e familiaridade do povo com o Poder Judiciário. Faltam-lhe informações mais precisas sobre a operação da magistratura. A imagem de "caixa-preta", inacessível ao indivíduo comum, proclamada pelo presidente Lula da Silva, foi confirmada pela pesquisa. A mídia também não conhece o Judiciário, o que é um mal em si mesmo.
A lentidão -elemento negativo da produtividade dos juízes- é, pelo menos, de conhecimento geral. O Judiciário compõe um mundo à parte, separado da sociedade e dos outros Poderes. Há, e a pesquisa o confirma, um sentimento geral de respeito, mas, talvez por vir acrescido de distanciamento, desconfiança, temor, termina envolto em insegurança dos cidadãos, que são, afinal, os clientes do Judiciário. O juiz, tomado individualmente, desperta sentimento de respeito e solidariedade, mas também gera sentimento de temor, provocado pela impressão de seu poder, do que pode fazer com o cidadão comum, até mesmo à sua revelia. Há juizes, tenho escrito, que se comportam como se fossem seres extraterrenos, deliberadamente afastados do mundo real que os envolve. Há até os que procuram evitar contato com as partes e seus advogados. Felizmente, a pesquisa demonstra que a queixa sobre corrupção, embora arraigada na imagem da instituição, não atinge a classe dos juízes. Como em todo organismo humano, também há corrupção na magistratura, mas é incomparavelmente menor que em outros setores.
A crença da proteção aos ricos e poderosos em detrimento dos mais pobres contribui para a receptividade de propostas como as da súmula vinculante e do controle externo, cujo efeito restritivo da independência judicial é desconhecido. O caso do juiz Nicolau, de início, pareceu um contraponto às críticas de impunidade, desigualdade e corporativismo do Judiciário ante a confusão entre a idéia geral da justiça e da magistratura, pois o público equipara os conceitos de justiça e de Judiciário. Não entende a distinção e seus limites porque não conhece o papel e o funcionamento do Judiciário. Cláudio Maciel explica, na apresentação, ter tido a iniciativa de fazer e de divulgar a pesquisa motivado pelo reconhecimento de que o Judiciário passou a ocupar posição central no debate sobre as instituições brasileiras. Com isso, a AMB deu um passo para consolidar uma política de comunicação entre o Judiciário e a sociedade que não pode continuar calcada no empirismo. É boa contribuição para diminuir os perigos do terremoto, do qual cuidei na semana passada.


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