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LETRAS JURÍDICAS
Ainda os sinais do terremoto
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Por princípio, não dou
muito valor a visões estrangeiras sobre as coisas brasileiras,
salvo se emitidas por pessoas que,
além de valor cultural, tenham
vivido por tempo razoável a realidade nacional. Por isso não destaquei opiniões do relator especial da ONU sobre o nosso Judiciário nas suas duas semanas de
visita ao país. Muito mais significativa a recente pesquisa qualitativa intitulada Imagem do Poder
Judiciário, feita a pedido da AMB
- Associação dos Magistrados
Brasileiros, publicada há pouco.
Cláudio Baldino Miguel, presidente da entidade, na abertura,
considera o levantamento "importante ferramenta de suporte
para estudos e debates" a respeito
da magistratura nacional. Lendo-a, chega-se à mesma conclusão, porquanto se trata de trabalho cuidadoso, sem os bordões da
linguagem complicada e defensiva da magistratura.
Extraio o resumo de algumas
das conclusões da pesquisa, a começar pelo baixo conhecimento e
familiaridade do povo com o Poder Judiciário. Faltam-lhe informações mais precisas sobre a operação da magistratura. A imagem de "caixa-preta", inacessível
ao indivíduo comum, proclamada pelo presidente Lula da Silva,
foi confirmada pela pesquisa. A
mídia também não conhece o Judiciário, o que é um mal em si
mesmo.
A lentidão -elemento negativo
da produtividade dos juízes- é,
pelo menos, de conhecimento geral. O Judiciário compõe um
mundo à parte, separado da sociedade e dos outros Poderes. Há,
e a pesquisa o confirma, um sentimento geral de respeito, mas, talvez por vir acrescido de distanciamento, desconfiança, temor, termina envolto em insegurança dos
cidadãos, que são, afinal, os clientes do Judiciário. O juiz, tomado
individualmente, desperta sentimento de respeito e solidariedade,
mas também gera sentimento de
temor, provocado pela impressão
de seu poder, do que pode fazer
com o cidadão comum, até mesmo à sua revelia. Há juizes, tenho
escrito, que se comportam como
se fossem seres extraterrenos, deliberadamente afastados do mundo real que os envolve. Há até os
que procuram evitar contato com
as partes e seus advogados. Felizmente, a pesquisa demonstra que
a queixa sobre corrupção, embora arraigada na imagem da instituição, não atinge a classe dos juízes. Como em todo organismo humano, também há corrupção na
magistratura, mas é incomparavelmente menor que em outros
setores.
A crença da proteção aos ricos e
poderosos em detrimento dos
mais pobres contribui para a receptividade de propostas como as
da súmula vinculante e do controle externo, cujo efeito restritivo
da independência judicial é desconhecido. O caso do juiz Nicolau, de início, pareceu um contraponto às críticas de impunidade,
desigualdade e corporativismo do
Judiciário ante a confusão entre a
idéia geral da justiça e da magistratura, pois o público equipara
os conceitos de justiça e de Judiciário. Não entende a distinção e
seus limites porque não conhece o
papel e o funcionamento do Judiciário. Cláudio Maciel explica, na
apresentação, ter tido a iniciativa
de fazer e de divulgar a pesquisa
motivado pelo reconhecimento de
que o Judiciário passou a ocupar
posição central no debate sobre as
instituições brasileiras. Com isso,
a AMB deu um passo para consolidar uma política de comunicação entre o Judiciário e a sociedade que não pode continuar calcada no empirismo. É boa contribuição para diminuir os perigos
do terremoto, do qual cuidei na
semana passada.
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