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16 ANOS DEPOIS
Casal que seqüestrou Abilio Diniz em 1989 leva vida "normal" em Vancouver, mas usa nome diferente
Ele escreve roteiros; ela estuda criminologia
DO ENVIADO AO CANADÁ
No Departamento de Correções
da Província da Colúmbia Britânica, em Vancouver, responsável
pelo acompanhamento de presos
em condicional, não consta o nome de David Robert Spencer nem
de Christine Gwen Lamont.
"Spencer... Lamont... Nada. Aos
olhos da lei, eles são tão livres
quanto eu e você", disse à Folha
Dennis Finlay, chefe do setor.
Ele era a última esperança de
uma busca que começara nos arquivos que sobraram das duas penitenciárias para onde os dois foram enviados em 1998, ela em
Burnaby, ele em Abottsford (um
dos prédios foi demolido desde
então, assim como o paulistano
Carandiru, que os "hospedou" no
Brasil), e passara pelo Comitê de
Condicional -"Nada consta,
nem o endereço atual deles".
A mesma negativa resultava das
consultas aos Lamont e Spencer
que aparecem nas listas telefônicas do país. A última aposta era
Langley, cidadezinha a 50 quilômetros de Vancouver, onde
Christine foi criada e os pais,
Keith e Marilyn, sempre viveram.
Nada nos jornais, arquivos ou
documentos públicos. Era como
se o sobrenome "Lamont" tivesse
sido apagado da história, feito as
fotografias oficiais soviéticas sob
Stálin. Até que uma frase solta numa ata da reunião regular do
Conselho da Cidade de Langley,
realizada às 19h de 29 de maio de
2000, chama a atenção. "O sr. Mike Walker reclama que a cerca de
cedro entre sua casa e a propriedade que foi dos Lamont se encontra em estado lamentável."
Mike Walker, com número na
lista telefônica, era vizinho dos
Lamont até que eles venderam a
grande casa, de três acres, com
piscina e muitas árvores, "depois
daquilo tudo", conta à Folha. O
terreno hoje deu lugar a três casas.
"Sei que eles mudaram para
uma cidadezinha aqui perto. A
sra. Omelaniec sabe onde é." A
sra. Omelaniec "perdeu" o telefone, mas não se incomoda em dizer o nome da cidade. É Surrey, a
20 km. A Folha descobre o endereço e passa a tentar entrar em
contato com os Lamont.
Assim que o primeiro telefonema é atendido, pela mãe, entrará
em ação um "alerta vermelho"
que envolverá as duas dezenas de
pessoas, amigos, colegas e familiares com quem a reportagem
conversará ou se encontrará nos
dias seguintes: ninguém fala ou
sabe nada de David e Christine.
"Os dois? Não vejo há oito
anos", dirá a jornalista Kim Bolan, melhor amiga de Christine
ainda hoje. "Eu tinha o e-mail dele
em algum lugar, mas não consigo
achar", falará Stephen Stewart,
um dos melhores amigos de David. "Não estou autorizada a comentar esse assunto", responderá
Heather, irmã de Christine. "Aqui
não tem nenhum William", gritará o próprio pai de David, William, ao desligar o telefone.
Nomes falsos
Até que os pais de Christine resolvem abrir a porta ao repórter,
depois de várias tentativas, com a
advertência de que não responderão nada. Parecidos com os atores
Henry Fonda e Rita Moreno na
velhice, o ex-cirurgião, 75, e a ex-professora de piano, "72 e meio",
não respondem mas fazem perguntas. Sobre o Brasil.
Como vai a saúde de dom Paulo
Evaristo Arns, com quem tiveram
muito contato durante a luta pela
libertação da filha. Se ainda há
muitas crianças de rua em São
Paulo. Ainda existe a praça da Sé.
Que tal anda o governo de Luiz
Inácio Lula da Silva. O brasileiro
foi a favor ou contra a invasão do
Iraque. Se o filme "Cidade de
Deus" é mesmo muito violento.
Da conversa com eles e com outros que aceitaram falar na condição de anonimidade, a Folha conseguiu refazer a trajetória do casal
desde 1999 e descobrir como eles
vivem hoje em dia. Primeiro, não
usam mais os próprios nomes
quando trabalham, mas pseudônimos desconhecidos -como na
época do seqüestro, aliás, em que
eram "Modesto" e "Susana".
Depois, moram em Vancouver,
numa boa casa de uma cidade que
foi escolhida em pesquisa recente
como "a melhor do mundo para
viver". Casaram-se em 2000, mas
não têm filhos. Fizeram uma festa
apenas para amigos em 6 de maio
de 2002, quando a pena de ambos
foi oficialmente extinta.
Almoçam esporadicamente aos
domingos na casa dos pais dela,
mas fizeram um pacto em que a
palavra "seqüestro" e o nome
"Abilio Diniz" estão proibidos.
Christine, 46, pinta sempre o cabelo grisalho. Bem-humorado,
David, 42, é o piadista da família e
brinca com a vaidade da mulher.
Ele trabalha como roteirista de
filmes na emergente indústria cinematográfica canadense -embora ninguém revele seu nome de
guerra e o oficial não conste de
nenhum dos três sindicatos de roteiristas do Canadá, todos consultados pela Folha, nem do banco
de dados eletrônico IMDb, maior
arquivo mundial do gênero.
Uma comédia sua, de alguns
anos atrás, contava a história de
um sujeito que ganhou na loteria,
mas viu seu bilhete ser enterrado
no caixão de um parente. Escreve
textos como free-lancer para jornais locais, sempre com outros
nomes. Escreve e deleta de seu
computador repetidamente um
livro de memórias há alguns anos.
Christine voltou a estudar, na
mesma Universidade Simon Fraser em que conheceu o jovem
idealista no começo dos anos 80
por quem se apaixonaria e da qual
abandonou os cursos de comunicação e ciências sociais. Agora,
tenta se graduar em criminologia.
O La Quena Coffee House, na
Commercial Drive, em Vancouver, onde eles primeiro tiveram
contato com membros ligados à
guerrilha de El Salvador, fechou
-virou uma galeria de arte e o escritório de uma pontocom.
Desde 1999, os dois não saíram
do Canadá uma única vez, apesar
de poderem legalmente desde
2002. Pretendem fazer uma viagem nos próximos meses, talvez
para a Europa. Nunca visitariam
os EUA sob George W. Bush, dizem os amigos, e o Brasil também
não está nos planos imediatos.
Não que o contato deles com o
país ou a turma de seqüestradores
tenha sido completamente interrompido. Uma vez, em 2000, uma
pessoa presenciou Christine conversar por correio eletrônico instantâneo com a chilena Maria
Emília Marchi, a quem ficou muito ligada -elas ficaram presas
juntas em São Paulo.
Já David freqüenta sempre o
CoDevelopment Canada, também conhecido como CoDev ou
CoDesarrollo Canada, uma ONG
esquerdista que ajuda sindicatos e
associações de professores da
América Latina -Brasil incluído,
onde a entidade já participou do
Fórum Social de Porto Alegre.
O enviado da CoDev geralmente é Stephen Stewart, que fala português fluente. E é um dos melhores amigos de David Spencer.
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