São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

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Transtornos mentais afetam 78% de grupo atingido por césio 137

Estudo foi feito com 78 envolvidos no acidente radioativo em Goiânia, em 1987, que causou pelo menos 12 mortes

Uma das razões mais prováveis apontadas pelo levantamento para esse tipo de ocorrência é a redução do hipocampo

ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA

Um estudo realizado com 78 pessoas envolvidas no acidente radioativo com o césio 137 em Goiânia revelou uma tendência de transtorno mental em 78,2% dos casos analisados. Na população mundial, em condições normais, 10% em cada grupo de cem pessoas apresentam o problema, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Os dados foram coletados entre 2002 e 2003 para a tese de mestrado em saúde mental defendida na Universidade Federal de Minas Gerais pela pesquisadora Aminadab Rodrigues Rodarte, professora do departamento de enfermagem da Universidade Católica de Goiás. Os resultados foram divulgados no fim de 2005.
Uma das razões mais prováveis apontadas pelo levantamento para esse tipo de ocorrência é a redução do hipocampo (área do cérebro onde os neurônios ativam a memória concentrada do córtex e que incide sobre as emoções), que costuma atingir vítimas de estresse pós-traumático.
No caso dos contaminados pelo césio, segundo a pesquisadora, não foram feitos até hoje exames suficientes para confirmar a hipótese -já que o procedimento é caro.
O governo de Goiás reconheceu 621 vítimas, divididas em quatro grupos segundo o grau de contaminação. Para a amostra, foram consideradas apenas as 116 vítimas dos chamados grupos 1 e 2, atingidas mais diretamente pela radiação, além de pessoas que, embora não contaminadas, passaram a integrar (por casamento, nascimento ou outros vínculos) as famílias dos grupos 1 e 2.
Ao entrevistar as vítimas, a pesquisadora constatou indicações de transtornos mentais de depressão (irritabilidade, perda de memória, dificuldade de aprendizagem e idéias de suicídio), de percepção (mania de perseguição, ouvir vozes), de humor (falar ou rir sozinho e sem motivo).
As crises freqüentes de irritação, tristeza, desânimo, agressividade e explosões emocionais sem motivo ocorrem com 80% dos entrevistados. Idéias de suicídio atingem 34%. Pelo menos nove pessoas tentaram se matar ingerindo comprimidos em excesso. O alcoolismo também é comum: 69,2% ingerem bebida alcoólica regularmente. No grupo 1, o índice é de 100%. Para Rodarte, o resultado expressa a busca pelos efeitos psíquicos que o álcool pode causar, como desinibição e sensação transitória de bem-estar.
A população estudada é constituída de pessoas jovens -58,9% com até 40 anos. Esse dado é importante, segundo a pesquisadora, porque a maioria tinha entre seis meses e 24 anos na época do acidente. "É uma fase em que a personalidade ainda está em formação, sendo mais influenciada por fatores externos como crítica, segregação, medo e insegurança."
O presidente da Associação das Vítimas do Césio, Odesson Alves Ferreira, confirmou a prevalência de transtornos mentais entre os radiacidentados, mas disse não conhecer detalhes do estudo. A Suleide (Superintendência Leide das Neves), órgão estadual responsável pelo atendimento às vítimas, não comentou a pesquisa.

Acidente
Em setembro de 1987, dois catadores de sucata e papel encontraram uma cápsula de césio 137 abandonada em um terreno baldio, no centro de Goiânia, e levaram a peça para casa, onde foi quebrada a marteladas. Os envolvidos no acidente distribuíram porções de pó radiativo e a contaminação atingiu uma área superior a 2.000 m2. O governo reconheceu oficialmente 12 mortes.


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