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WALTER CENEVIVA
Ganhamos todos
O julgamento no STF foiuma sucessão de belezas jurídicas e de sensibilidade dos dois lados do debate
O JULGAMENTO DA ação movida pelo procurador-geral da
República no STF (Supremo
Tribunal Federal) pedindo declaração de inconstitucionalidade de
norma relativa ao uso de embriões
humanos em pesquisas deve ter
causado perplexidade em quem não
vive os problemas do direito. De
meu lado, ficou a impressão de que o
STF vai incluir o desenvolvimento
de quarta e quinta-feira como dos
mais significativos e dignificantes
de sua história.
Começando pelo fim, chamou
atenção da mídia eletrônica e impressa a forte discussão entre os ministros Cezar Peluso e Celso de Mello sobre a proclamação do resultado. Peluso queria aditar variáveis
suscitadas no curso do debate, desde
março -com o que Mello não concordou, sob o correto argumento de
que 6 de 11 ministros tinham votado
pela constitucionalidade, sem qualquer reserva, determinando a súmula legal do resultado.
Três baldes de água fria acalmaram o debate: o do ministro Menezes Direito, que oferecera as primeiras variáveis da admissão plena da
constitucionalidade, ao reconhecer
que a maioria era de 6 a 5 e só seria
decomposta se alguém mudasse de
posição. O do ministro Eros Grau,
sustentando que, independentemente das posições individuais, na
verdade houvera um pronunciamento final da Corte, como um todo, remetidas as questões paralelas
para discussões futuras. Foi um belo
momento de sabedoria.
O terceiro balde de água fria, quase em sentido estrito, foi da ministra
Cármen Lúcia. Com o sistema de ar-condicionado funcionando a toda,
pediu ao presidente que proclamasse logo o resultado, pois ela, mesmo
não sendo embrião, logo se sentiria
congelada. Desanuviou o ambiente.
Não houve como escapar do placar:
a lei é constitucional. Se for o caso de
mudá-la, caberá ao Congresso enfrentar o problema.
Muito em cima das discussões é
difícil, mesmo para os profissionais
do direito, situar sistematicamente
os parâmetros essenciais e laicos
(afastados desde logo os religiosos)
do problema jurídico. Enquanto não
se inventarem úteros artificiais, que
Huxley criou em "Admirável Mundo Novo", o embrião só será vida humana quando transferido para o
útero da mulher. Só ela pode abrigar
o nascituro, a quem as leis creditam
certos direitos se nascer com vida.
Algumas linhas gerais ficaram, porém, delimitadas. O parâmetro essencial é dado pela superioridade do
interesse social, gerado pelos avanços das ciências. A interferência das
religiões, nesse campo, tem levado a
erros históricos, como os do sistema
planetário no qual a Terra se insere,
os da teoria da evolução das espécies
e assim por diante.
Se, como afirmam cientistas respeitáveis em várias partes do mundo, a utilização de células-tronco
embrionárias pode oferecer meios
novos de tratamento, é evidente que
hão de ser utilizadas, respeitadas as
limitações que a lei já compreende.
Não há direito absoluto de todas
as pesquisas, ilimitadamente, mas é
absoluto o direito à vida dos que, podendo curar-se de males graves, sejam impedidos desse objetivo por
restrições não-jurídicas, estranhas à
ética. Em resumo: o julgamento no
STF foi uma sucessão de belezas jurídicas e de sensibilidade dos dois lados do debate. Neste, nós, o povo, fomos os ganhadores.
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