São Paulo, sábado, 31 de maio de 2008

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WALTER CENEVIVA

Ganhamos todos

O julgamento no STF foiuma sucessão de belezas jurídicas e de sensibilidade dos dois lados do debate

O JULGAMENTO DA ação movida pelo procurador-geral da República no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo declaração de inconstitucionalidade de norma relativa ao uso de embriões humanos em pesquisas deve ter causado perplexidade em quem não vive os problemas do direito. De meu lado, ficou a impressão de que o STF vai incluir o desenvolvimento de quarta e quinta-feira como dos mais significativos e dignificantes de sua história.
Começando pelo fim, chamou atenção da mídia eletrônica e impressa a forte discussão entre os ministros Cezar Peluso e Celso de Mello sobre a proclamação do resultado. Peluso queria aditar variáveis suscitadas no curso do debate, desde março -com o que Mello não concordou, sob o correto argumento de que 6 de 11 ministros tinham votado pela constitucionalidade, sem qualquer reserva, determinando a súmula legal do resultado.
Três baldes de água fria acalmaram o debate: o do ministro Menezes Direito, que oferecera as primeiras variáveis da admissão plena da constitucionalidade, ao reconhecer que a maioria era de 6 a 5 e só seria decomposta se alguém mudasse de posição. O do ministro Eros Grau, sustentando que, independentemente das posições individuais, na verdade houvera um pronunciamento final da Corte, como um todo, remetidas as questões paralelas para discussões futuras. Foi um belo momento de sabedoria.
O terceiro balde de água fria, quase em sentido estrito, foi da ministra Cármen Lúcia. Com o sistema de ar-condicionado funcionando a toda, pediu ao presidente que proclamasse logo o resultado, pois ela, mesmo não sendo embrião, logo se sentiria congelada. Desanuviou o ambiente. Não houve como escapar do placar: a lei é constitucional. Se for o caso de mudá-la, caberá ao Congresso enfrentar o problema.
Muito em cima das discussões é difícil, mesmo para os profissionais do direito, situar sistematicamente os parâmetros essenciais e laicos (afastados desde logo os religiosos) do problema jurídico. Enquanto não se inventarem úteros artificiais, que Huxley criou em "Admirável Mundo Novo", o embrião só será vida humana quando transferido para o útero da mulher. Só ela pode abrigar o nascituro, a quem as leis creditam certos direitos se nascer com vida.
Algumas linhas gerais ficaram, porém, delimitadas. O parâmetro essencial é dado pela superioridade do interesse social, gerado pelos avanços das ciências. A interferência das religiões, nesse campo, tem levado a erros históricos, como os do sistema planetário no qual a Terra se insere, os da teoria da evolução das espécies e assim por diante.
Se, como afirmam cientistas respeitáveis em várias partes do mundo, a utilização de células-tronco embrionárias pode oferecer meios novos de tratamento, é evidente que hão de ser utilizadas, respeitadas as limitações que a lei já compreende.
Não há direito absoluto de todas as pesquisas, ilimitadamente, mas é absoluto o direito à vida dos que, podendo curar-se de males graves, sejam impedidos desse objetivo por restrições não-jurídicas, estranhas à ética. Em resumo: o julgamento no STF foi uma sucessão de belezas jurídicas e de sensibilidade dos dois lados do debate. Neste, nós, o povo, fomos os ganhadores.


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