São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2000 |
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GILBERTO DIMENSTEIN Por que os paulistanos devem comemorar São Paulo piorou até onde podia piorar, bateu no fundo do poço, mas já estancou a deterioração e tende a melhorar. É a melhor notícia a ser comemorada hoje, último dia do ano, pelos paulistanos. Marta Suplicy toma posse, amanhã, como prefeita de uma cidade politicamente falida mas com um notável vigor econômico e social, combinando decadência pública com criatividade individual. A melhoria da cidade está mais atrelada a esse vigor, distante do poder oficial, do que ao desempenho da nova prefeita. Marta significa esperança de renovação política, de democratização do espaço público, de criatividade e de estímulo à vitalidade comunitária. Mas está de braços amarrados pelos cordões de um Orçamento em frangalhos. Se bem-sucedida, a nova gestão vai apenas acelerar o processo de recuperação da cidade, afetada pelos surtos de recessão mesclados com a mudança do perfil econômico, mais precisamente a perda de importância da indústria. O sinal mais eloquente desse movimento é a construção de hotéis. Estima-se que, nos próximos três anos, a cidade venha a absorver R$ 3 bilhões em investimentos para a expansão da rede hoteleira, seguindo a trilha dos negócios de uma cidade com vocação de pólo internacional. Desenha-se, assim, um novo perfil: no lugar das indústrias, serviços. Quem enxergar São Paulo além dos clichês vai deparar-se com a confluência de mudanças estruturais favoráveis. Estima-se que, em 2001, a economia vá crescer pelo menos 4%, dando prosseguimento à retomada verificada este ano -período em que a massa salarial voltou a crescer. Primeiro, pelo aumento do número de empregos e, depois, pela recuperação, embora tímida, da renda. Tradução: mais consumo. A evolução ocorre mais intensamente no setor de serviços, exigindo mão-de-obra qualificada e, portanto, demandando uma rede de transmissão de conhecimento. Cresce aceleradamente a quantidade de matrículas no ensino médio e no superior, reflexo do novo perfil econômico da cidade; basta ver, nos jornais, a enorme procura por professores de inglês. As empresas cada vez mais compensam as lacunas de seus funcionários e investem em sua formação, transformando-se, na prática, em escolas. O aumento populacional está próximo de zero, a migração apresenta fluxo negativo (saem mais migrantes do que entram) e a mortalidade infantil cai ano a ano. Chegamos aos 10 milhões e, segundo demógrafos, tendemos a perder população em número absoluto, graças ao fluxo migratório negativo e à baixa taxa de fecundidade das mulheres, consequência da melhora dos níveis educacionais. Veja que poderosa combinação: população estável, mais velha, mais bem remunerada e com mais escolaridade, vivendo numa cidade cosmopolita. Inevitável a pressão por mais qualidade de vida. Aliás, uma das boas notícias para os paulistanos é o início do funcionamento do rodoanel, cujo primeiro trecho deve ser entregue no prazo de dez meses, tirando milhares de caminhões da cidade. Caso não se percam em picuinhas partidárias e brigas pela sucessão, a prefeitura e o governo estadual terão condições de implantar programas que mudariam a paisagem da cidade. Marta Suplicy e Mário Covas defendem a valorização do centro, transformado-o em pólo político e cultural; já estão escolhidas as possíveis novas sedes do Palácio do Governo. Notáveis exemplos são a reforma da estação Júlio Prestes, transformada em sala de concertos, e a da Pinacoteca; próximos passos são a reforma do antigo prédio do Deops e a da estação da Luz, convertidos em universidade de música e de artes plásticas. Urbanistas do PT desenvolvem há anos planos para usar a orla ferroviária, antes cercada de fábricas agora desativadas, símbolos da decadência. Imagina-se desenvolver nessa orla áreas habitacionais e transformar os galpões em empresas de alta tecnologia, tudo servido pela linha do trem, conectada ao metrô. Tanto no governo estadual como na futura gestão municipal, transporte público é apresentado como prioridade. Já aparecem vozes corajosas propondo o pedágio urbano para tirar carros da rua e financiar o metrô. Desconfio que, a essa altura, muitos leitores suspeitam que essa coluna possa estar movida pelos hábitos etílicos de final de ano: um otimismo, enfim, com falta de sobriedade. O que estamos vendo em São Paulo nada tem de inédito: muitas cidades, entre elas o Rio de Janeiro, sofreram com a mudança de sua vocação econômica e, pouco a pouco, souberam se renovar. Chegou a nossa vez. Claro, porém, que, até virarmos uma comunidade civilizada, ainda teremos algumas gerações pela frente. PS - Fundamental agregar às novas tendências da cidade a importância dos projetos sociais desenvolvidos pelas empresas. Um dos fatos novos mais importantes do país, mais concentrado em São Paulo, é a visão de que faz parte do papel da empresa não só a geração de lucros mas também a ação social. E-mail: gdimen@uol.com.br Texto Anterior: Outro lado: Médico deve ter liberdade de opção, dizem fabricantes Próximo Texto: Belo Horizonte: Célio de Castro quer administração descentralizada Índice |
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