Índice geral Cotidiano
Cotidiano
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Moradores de local incendiado montam uma nova favela

Ontem, bombeiros retiraram dois corpos carbonizados de dentro do esqueleto de concreto na região central

Sem casa, cerca de 500 flagelados do incêndio que destruiu barracos do Moinho invadiram um terreno vizinho

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

Edijane Feitosa da Silva, 43, doméstica, esticou a cordinha imunda de uma parede a outra do galpão industrial abandonado. Área demarcada: 12 metros quadrados. Ali, ela -que perdeu tudo, documentos inclusive, no incêndio da favela do Moinho (centro de São Paulo), anteontem- começou a construir seu novo barraco.

Um saco de roupas jogado aqui, uma área capinada ali, uma pedra, um toco de pau serviam de sinais -alguém tomou posse do pedaço.

Sem casa, os cerca de 500 flagelados do incêndio que destruiu pelo menos um terço dos 528 barracos da favela invadiram um terreno vizinho, de galpões abandonados cobertos de matagal.

Até ontem, a área era protegida por seguranças a serviço da CPTM, Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos, que abandonaram a única guarita do lugar.Uma nova favela estava em construção.

A maioria dos que improvisavam novos barracos era de moradores de um prédio abandonado que pertencia ao antigo Moinho Mattarazzo. O fogo abalou a estrutura do edifício, que ameaça desabar (a prefeitura isolou a área, por precaução).

Os demais invasores eram moradores de barracos que ficavam muito perto do prédio e que também foram atingidos pelo fogo.

Ontem, os bombeiros retiraram dois corpos carbonizados de dentro do esqueleto de concreto -um deles havia sido localizado na própria quinta-feira, porém não pôde ser retirado por causa da alta temperatura.

"A gente não tem para onde ir. A prefeitura quer que a gente vá para albergues, mas isso significa ter de separar as famílias, mulheres em um lugar, os homens em outro. A gente não quer isso", protestava Lorisval Gomes do Nascimento, 46, profissional de serviços gerais.

Graças à ajuda de entidades beneficentes, ele conseguiu comprar a lona de caminhoneiro (R$ 135), que esticava entre duas paredes cobertas de pichações. "Meu novo teto", explicou, olhando preocupado para o céu de nuvens negras.

A prefeitura fazia o cadastramento dos moradores sem casa. Erivando Brito Arcoverde, 33, confeiteiro, reclamava que, depois de enfrentar duas horas de fila, saiu apenas com a "vaga promessa de uma casa, não se sabe quando", e um papelzinho branco em que se lia "Alzira Alves de Lima, 32.852". "Mandaram a gente voltar na segunda."

A Folha procurou a Secretaria Municipal de Habitação, à tarde, para comentar as providências adotadas, mas não conseguiu contato.

Desapareceu ontem a mulher que foi acusada pelos moradores de ser a causadora do incêndio. Residente no prédio, supostamente usuária de crack, ela quase foi linchada na quinta-feira.

Resgatada por guardas civis metropolitanos do meio dos moradores revoltados, a mulher foi levada ao 77º DP, onde se identificou como "Rosângela" -sem sobrenome, nem documentos.

Os policiais registraram no boletim de ocorrência que a mulher apresentava indícios de transtornos mentais. Colheram as impressões digitais dela, certificaram-se de que não possuía antecedentes criminais e soltaram-na.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.