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Bichos

SÍLVIA CORRÊA correa-silvia@uol.com.br

O círculo vicioso dos maus-tratos

Combater o crime de maus-tratos é combater o abandono e, no fim da linha, reduzir as zoonoses

Há 15 dias escrevi neste espaço sobre a necessidade de se impor penas mais severas ao crime de maus-tratos contra os animais, hoje punido com multa e serviços à comunidade -isso, quando chega a ser punido.

A caixa de entrada de meu e-mail ficou cheia. Na maioria, as mensagens faziam coro à crítica à impunidade. Algumas contavam casos de resgate de animais, como Miloca, a gatinha que, ainda filhote, teve uma das patas arrancadas com alicate e, adotada, chega agora aos 17 anos! Outras tantas relatavam a tremenda dificuldade que é conseguir que a polícia ou a prefeitura se mobilizem diante dessas denúncias.

São histórias de pura indiferença -a pior face da burocracia. "Senhora, registramos sua queixa e tomaremos providências no prazo de 20 a 90 dias", respondeu a atendente do disque-denúncia à leitora preocupada com a existência de dois cães presos há mais de 20 dias na sacada de um apartamento em São Paulo, latindo sem parar, sob a chuva que todos nós sabemos que não dá trégua desde o início do ano.

Mas nem todas as mensagens tinham esse tom. Um grupo descia a ripa na coluna (e na colunista) e dizia, de forma geral, que "é comovente que algumas pessoas se preocupem com os animais..., mas quem se preocupa com os humanos quando os bichos viram uma ameaça?".

Um dos leitores diz já ter sido "mordido várias vezes por animais que formam matilhas, andam soltos nas ruas e ninguém faz nada". Outra leitora conta que o negócio de sua manicure tem sido prejudicado porque está ao lado de uma casa onde dois idosos criam animais sem condições mínimas de higiene e limpeza. Diante da inércia do poder público, ela se queixa do risco de punição a quem decidir resolver o problema à bala.

Os e-mails tinham um tom de contestação, como se a defesa do bem-estar animal fosse algo que só pudesse ser colocada em prática depois de considerada a qualidade de vida humana. Discordo. E, cá de meu ponto de vista, os relatos só reforçam a necessidade de mobilização. Explico.

Maltratar um animal não é só bater, envenenar, jogar pedra ou submeter a trabalhos forçados. Maltratar é também expor a risco, deixar sem comida, abandonar. Portanto, caro leitor, combater o crime de maus-tratos é combater o abandono, pregar a posse responsável, e, no fim da linha, reduzir o risco de agressões por cães errantes e de disseminação de zoonoses.

Vale o mesmo raciocínio para o caso da manicure. Não adianta amar os animais, é preciso manter os bichos alimentados, limpos e saudáveis. Caso contrário, ainda que por falta de dinheiro ou de força física dos donos, isso também é maltratar. Portanto, cara leitora, se combatermos os maus-tratos estaremos combatendo a existência de ambientes como esse e, no fim da linha, impedindo que a manicure perca clientes.

Sendo assim, por um motivo ou outro, é necessário dar um basta às agressões contra os animais. Se não pelo simples fato de que a vida é um valor absoluto, ao menos para que não sejamos mordidos nas ruas e possamos ir tranquilos ao salão de beleza.

AMANHÃ EM COTIDIANO
Francisco Daudt

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