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Contra a mudança

A malformação na criança não é equivalente à morte cerebral

RODOLFO ACATAUASSÚ NUNES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A tese da chamada ADPF 54 é de que na anencefalia não se trataria de "aborto", pois inexistiria a possibilidade de vida extrauterina e, por isto, se situaria à margem da legislação atual.

Na realidade, esta tese não tem respaldo na literatura médica, pois, embora a anencefalia seja uma afecção extremamente grave, com a maior parte das crianças falecendo nas primeiras 24 horas após o parto, tem sido destacada a possibilidade de vida extrauterina.

A anencefalia não é equivalente à morte encefálica: as crianças podem ter uma parte do encéfalo posterior, médio e resíduos do anterior.

Isso faz com que um pequeno percentual delas, em função do grau de comprometimento, possa ter alta hospitalar, chorando, movimentando-se, respirando espontaneamente e viver semanas, meses ou, excepcionalmente, mais de um ano.

Recentemente, faleceu uma criança brasileira de anencefalia com 1 ano e 8 meses, que, segundo sua mãe, reconhecia e acalmava-se com a sua voz, mas não com a de estranhos, o que sugere um certo nível de consciência primitiva, explicada por neuroplasticidade.

Toda prudência é necessária, pois, hipoteticamente, a adição obrigatória de ácido fólico às farinhas, tornada obrigatória pela Anvisa a partir de 2004, pode, além de diminuir a incidência da doença, atenuar sua apresentação clínica e permitir maiores sobrevidas.

Pode ser o caso da criança V.C., que permanece viva após dois anos do diagnóstico neonatal de anencefalia. A área de saúde pode oferecer cuidados paliativos cada vez de melhor qualidade e apoio psicológico aos seus pais.

Tentar abreviar o sofrimento trazido por uma doença grave eliminando alguém porque não se pôde curá-lo é cultura estranha ao nosso povo.

RODOLFO ACATAUASSÚ NUNES é médico e professor da Fac. de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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