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Antonio Prata

Abril, maio, junho

Abril? Maio? Junho? Nada começa ou finda aqui. Pelo que se anseia nesta planície? Qual clímax se vislumbra?

ABRIL, LOGO mais é maio, depois junho -e essa banal constatação me deixa um pouco desanimado. A passos largos, nos afastamos dos confetes de fevereiro, ainda não se veem no horizonte os rojões de dezembro, é como se estivéssemos presos numa longa terça-feira, incrustada na barriga do ano.

Em janeiro, há sol e sal, projetos, expectativas no ar. De fevereiro e do Carnaval, nem se fala. (Se o mundo entrasse em guerra pelos meses do ano, eu pegaria em armas para ajudar nosso país a conquistar fevereiro.) Março é um janeiro redivivo -agora vai! São lançados livros, filmes, discos e programas de TV; a gente trabalha com vontade, se matricula numa natação, olha em volta, curioso para saber o que o presente nos reserva. Julho é o meio do caminho, o auge do inverno -verão no hemisfério Norte-, férias escolares. A cidade fica vazia. Época de Copa, Olimpíada e de assistir televisão debaixo dos cobertores. Em agosto, há uma sensação de missão cumprida pelo fim do primeiro semestre e um leve anseio, bom anseio, em relação ao segundo. Em setembro, outubro e novembro, se nos colocarmos nas pontas dos pés e forçarmos a vista, já dá pra enxergar o fim do ano, ali adiante. É uma longa quinta-feira, prenhe de calma euforia. (Uma tarde, um e-mail nos pega de surpresa: um amigo diz que tá organizando o Réveillon, pensa em alugar uma casa na praia tal, busca interessados -e o cheiro de mar subitamente invade o escritório.) Dezembro é aquela correria de xixi no formigueiro: todo mundo com um olho no Windows e outro na janela, é um tal de marcar café, almoço, jantar, chope; come-se e bebe-se como se estivéssemos no século 20, num episódio de "Mad Men" -como se fosse o mundo, não o ano, que estivesse pra acabar.

Mas abril? Maio? Junho? Nada começa ou finda aqui. Espírito-Santo-hall-de-elevador-tofu-Phill-Collins. Pelo que se anseia nesta insossa planície? Qual clímax se vislumbra neste tedioso começo de segundo ato?

Eu sei, eu sei que não deveria me incomodar. Tenho a vida que pedi a Deus -ou que pediria, caso acreditasse nele e me achasse importante o suficiente para lhe fazer demandas. Nasci numa família legal, trabalho com o que gosto, tenho saúde, amigos, dei a sorte inacreditável de me apaixonar por uma mulher que também foi com a minha cara. Mas, sei lá. Talvez nós -ou eu?- só saibamos ser felizes na expectativa, nunca na realização. Eis porque fevereiro e dezembro são meus meses preferidos. Meses feitos da esperança -melancólica, é verdade, mas não o é toda esperança, afinal de contas?- de que no ano que vem, de que no bloco tal, depois de pular as ondinhas, enquanto pulamos na avenida, a vida parecerá, enfim, uma propaganda de Campari.

Já abril, maio e junho estão mais pra um daqueles encartes de supermercado que vêm no meio do jornal: a foto de uma costelinha de porco crua sobre uma pálida folha de alface, umas latas de cerveja barata, um azeite ou detergente em promoção. A vida como ela é, em velocidade de cruzeiro e sem efeitos especiais.

Eu sou uma besta de ficar reclamando, eu sei, mas, poxa: abril, maio, junho, dá um desânimo...

antonioprata.folha@uol.com.br
@antonioprata

AMANHÃ EM COTIDIANO
Pasquale Cipro Neto

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