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Antonio Prata

Adquira já o plano Freedom Plus!

Poucas coisas nesta vida são mais tristes do que receber uma mensagem da operadora de celular

POUCAS COISAS nesta vida são mais tristes do que uma mensagem da operadora. Você está concentrado em seu trabalho, na manhã de uma quarta; está diante da TV, afundando cada vez mais na areia movediça de um domingo; está capturado pelo presente e o presente é uma caixa de vidro hermeticamente fechada, onde não entra sequer uma brisa de esperança vinda do futuro -então seu celular apita.

Aquele bipe, cujo tom já está gravado no HD dos sons íntimos, no fundo do seu cérebro, estilhaça as paredes da caixa, deixando entrar a brisa. Será o amigo que há meses você tenta encontrar -uma hora é você quem desmarca, na outra é ele, isso quando não são os dois- te convidando pra uma cerveja? Será a sua mulher, viajando a trabalho, que ouviu uma música num café do outro lado do mundo, sentiu saudades e resolveu dizer que te ama? Será a pessoa para quem você mandou um trabalho ontem avisando que gostou, que foi aprovado, que está tudo certo?

A brisa leva para longe a modorra da rotina e te enche de otimismo. É químico. Seu córtex sai do "Modo-Savana" e entra no "Modo-Ninho". Os neurônios retiram os neurotransmissores da desconfiança em relação ao presente e despejam os da esperança no futuro. Talvez seja uma esperança miúda, é verdade, esperança de uso diário, descartável, mas esperança de todo modo e isso basta para que tombem as barreiras atrás das quais você se esconde: o jeito blasé com que tenta se proteger da rejeição ou da indiferença, o desdém fingido com que trata os desafios profissionais, o assovio forçado que toma seus lábios toda vez que sente ciúmes de sua mulher, sozinha (espera-se...), lá longe.

E é assim, meus amigos, com a guarda abaixada, com o queixo exposto e o coração aberto que entra o golpe: "TIM (ou Vivo, ou Claro, ou Oi) informa: a partir de maio seu plano Freedom Plus está ainda mais cheio de vantagens! Envie agora um torpedo para +321 com a mensagem 'Eu amo a minha TIM! (ou Vivo! Ou Claro! Ou Oi!)' e, por apenas R$ 4,99 adquira 100 minutos + 15 em todas as ligações internacionais!".

Dói, meus caros. Não era o amor batendo na porta, batendo na aorta. Não era o amigo de tanto tempo nem a notícia de que gostaram do seu trabalho. Era o mundo no que ele pode ter de mais chinfrim: uns desconhecidos, pior, um robô, em algum porão refrigerado e distante, querendo te arrancar alguns caraminguás.

Não, não farei discursos sobre a agressividade do capitalismo e a invasão da privacidade (embora eu bem que devesse). O que dói é a soma da esperança em nossos olhos com a frieza da mensagem no visor. É como pular numa piscina vazia. Como acordar de uma soneca no sofá com o que acredita ser um beijo da mulher amada e perceber tratar-se das lambidas de um boxer. Não, pior: um SMS da operadora é como uma mensagem numa garrafa, boiando no meio do mar. Você pega a garrafa. Tira a rolha. Desenrola o papel. Lê. E então descobre, horrorizado, que o náufrago é você.

Poucas coisas nesta vida são mais tristes do que uma mensagem da operadora.

antonioprata.folha@uol.com.br
@antonioprata

AMANHÃ EM COTIDIANO
Pasquale Cipro Neto

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