São Paulo, terça, 1 de abril de 1997.

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OPINIÃO ECONÔMICA
Babacas e bobocas

LUÍS PAULO ROSENBERG
O sucesso do Real deve-se a vários fatores. Indiscutivelmente, a abertura da economia brasileira, iniciada ainda no governo Collor, credencia-se como um dos mais importantes.
Interessante é notar como os mais despreparados em economia são os primeiros a questionar esse pilar da estabilização. O exemplo mais recente foi o do presidente do BNDES, manifestando-se contra a "abertura babaca", desconhecendo que abertura, como democracia, não admite qualitativos.
Buscar negociações bilaterais vantajosas para o Brasil, sim. Questionar o processo de abertura em si é uma imperdoável babaquice.
Por que a abertura da economia à concorrência internacional e ao influxo de investimentos externos é tão importante?
Porque o único instrumento realmente eficaz na coerção da ganância do empresário é a ganância de outro empresário, em franca competição com ele. Controles de preços, tabelamentos, racionamentos; nada funciona.
Basta, entretanto, deixar o pau comer, permitindo a compra de insumos e bens importados, para o produtor nacional pular miudinho e comprimir suas margens de lucro para poder sobreviver.
Está errado, portanto, o ministro das Comunicações quando critica a telefônica do Rio Grande do Sul, privatizada recentemente pelo governo estadual, por admitir fornecedores estrangeiros nas suas concorrências para compra de equipamentos.
Podemos até torcer para que vença uma das multinacionais radicadas no Brasil, mas por ter o melhor preço e igual qualidade. Senão, quem estará pagando a conta será o usuário gaúcho, cujos serviços telefônicos terão embutidos o custo mais alto de proteger a empresa local.
Mas nem só de babaquices compõe-se o governo. Há inquéritos contra as montadoras de automóveis por conluio para aumentar preços. Há processo aberto contra o cartel do cimento, um renitente violador da liberdade de competição no mercado. São exemplos edificantes dos novos tempos, em que a autoridade econômica abandona as relações incestuosas com empresários e assume a defesa do consumidor.
Mais recentemente, registrou-se uma histórica decisão na área do direito econômico. A barrilha, matéria-prima básica para o vidro, é praticamente um monopólio da Companhia Nacional de Álcalis.
Nada mais natural, então, que as indústrias de vidro do Brasil procurarem abastecer-se com barrilha importada, de custo mais baixo.
Rapidamente, o cartel doméstico entrou com uma ação pedindo a elevação da alíquota de importação da barrilha.
Pois a decisão governamental foi manter as alíquotas atuais, equivalente a mandar a Companhia Nacional de Álcalis pentear macacos, se não tiver competência para concorrer e bem servir seus clientes.
Na mesma direção, permitir que um banco estrangeiro assuma a parte boa do finado Bamerindus, com recursos do Proer, é prova de que a lei (boa ou má) é igual para todos e serve para proteger o consumidor, não consolidar o clubinho dos banqueiros locais.
Tais atitudes demonstram que no governo FHC, para cada engenheiro avesso à concorrência, há pelos menos dois economistas bem treinados, comprometidos com a causa da racionalidade.
Mas nossos bobocas nativos merecem complacência. Afinal, na primeira página do "New York Times" do domingo passado há uma longa matéria sobre a privatização da telefonia dos Estados Unidos e a perplexidade dos babacas de lá.
De fato, por vários anos a legislação americana forçava os usuários de ligações interurbanas a subsidiar as tarifas de ligações locais. O resultado é que 93% da população americana tem telefone em casa.
Agora, quando mais de uma empresa opera nas ligações interurbanas, há uma tendência natural de queda das tarifas dessas ligações, eliminando o subsídio que sustentava a universalização do uso do telefone.
Como compatibilizar o fim do subsídio cruzado e o estímulo a programas meritórios? Se o governo quiser estimular o uso da Internet ou baratear o custo de bibliotecas que se valem da linha telefônica para popularizar o acesso ao conhecimento, que estabeleça um subsídio orçamentário explícito com esse fim. Nada de errado nisso; afinal, governar é estabelecer prioridades.
Quando se recorre ao mecanismo do subsídio cruzado, porém, pode-se cometer a injustiça de subsidiar um rico fazendeiro de Iowa, cujo custo elevado de instalação de telefone nas suas terras distantes foi coberto pelos interurbanos de milhares de desempregados ou aposentados que ligaram para falar com seus filhos.
Se na meca do capitalismo competitivo ainda há perplexidade perante a lógica de que o preço deve refletir o custo mínimo de produzir, não há por que negar o perdão a engenheiros nacionais travestidos de economistas. Eles não sabem o que fazem.


Luís Paulo Rosenberg, 52, professor do ITA, diretor da Rosenberg Associados e da Linear Investimentos, escreve às terças-feiras nesta coluna.

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