São Paulo, domingo, 01 de abril de 2001

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Horizonte nublado

LUCIANO COUTINHO Aumentaram os riscos de uma desaceleração mais pronunciada, geral e imprevista da economia mundial ao longo dos próximos meses. A situação da Europa começa a preocupar: sucessivos sinais de enfraquecimento do dinamismo econômico da União Européia vêm sendo ignorados pelo Banco Central Europeu, que insiste em enxergar a cena pelo espelho retrovisor. Na Alemanha, carro-chefe da economia da região, as expectativas empresariais se deterioraram rapidamente nos últimos meses, as exportações perderam força (efeito da desaceleração nos Estados Unidos) e o desemprego parou de cair. Também na França começaram a aparecer sinais de queda da confiança. O Banco Central Europeu, no entanto, persiste fixado unicamente no índice de inflação (alta de 2,6% ao ano em fevereiro), que, movido pelo aumento do preço do petróleo (no ano passado) e pela depreciação do euro, ainda ultrapassa a meta oficial de 2% ao ano.
Nesta última semana, apesar da pressão cada vez mais explícita de autoridades nacionais e da opinião de muitos analistas respeitados, o comitê de política do Banco Central Europeu resolveu manter a taxa básica em 4,75% ao ano. Essa posição conservadora e míope decerto não colabora para que o enfraquecimento econômico reverta, especialmente o da Alemanha. Parece indispensável e urgente que cortes substanciais da taxa de juros sejam implementados nos próximos meses para assegurar que a União Européia cresça razoavelmente bem, acima de 3% ao ano pelo menos, para evitar que o conjunto da economia mundial regrida a uma recessão. Essa crucialidade do desempenho da Europa se deve à inevitabilidade da recessão em curso nos Estados Unidos e à prostração da economia japonesa.
Nos Estados Unidos o movimento recessionista começou no fim do ano passado com quedas fortes e sucessivas da demanda por bens duráveis (especialmente automóveis), seguida por quedas significativas na formação de capital fixo pelo setor privado (inclusive equipamentos de informática e de telecomunicações). Esse processo de desfalecimento da demanda por bens duráveis e por bens de capital provocou um intenso e rápido ajuste da produção (devido ao acúmulo de estoques indesejados) com expressivo desemprego de trabalhadores industriais. Por enquanto, porém, o nível do emprego total vem sendo mantido pelo setor de serviços e os gastos correntes de consumo em bens não-duráveis estão se sustentando embora em ritmo mais lento. O perfil da desaceleração da economia mais suave ou drástico dependerá, doravante, de como as decisões de consumo das famílias estarão sendo afetadas pelo grau de confiança na manutenção dos empregos e pela intensidade do efeito negativo decorrente da deflação da riqueza. O impacto adverso das fortes quedas das Bolsas em março (e provavelmente neste mês) sobre o consumo ainda não foi avaliado. As recentes oscilações dos índices de confiança dos consumidores indicam, porém, que a situação é instável. Há a possibilidade, sem dúvida, de que se forme um círculo vicioso de insegurança, evaporação da riqueza mobiliária, mais cortes do consumo para refazer posições patrimoniais, mais desemprego...
A economia do Japão, por sua vez, retornou à estagnação no início deste ano e, desde então, as coisas só vêm piorando. O consumo continua caindo, e as exportações, que vinham ajudando a reativação, foram atingidas pela desaceleração do mercado americano. Debilitado politicamente pela enorme impopularidade do primeiro-ministro Yoshiro Mori, o governo parece imobilizado. Novas ações fiscais expansionistas vêm sendo prometidas, porém esbarram no ceticismo dos mercados. A condução do processo de saneamento dos bancos vem sendo confusa e pouco eficiente -incapaz de separar o joio do trigo. Apavorado com a forte queda da Bolsa e do valor dos imóveis em março, o Banco do Japão passou a praticar uma política de abundante expansão quantitativa da emissão monetária, com juros próximos a zero.
Nesse cenário cheio de riscos, há ainda a precariedade da situação da Argentina. Exposta aos vendavais por causa de seu elevado déficit externo e pela necessidade de rolar suas dívidas e passivos em moeda estrangeira, a economia brasileira se defronta com uma fase de alta incerteza. O nosso Banco Central já confessou o seu medo e a sua fragilidade ao subir, sem convencer, a taxa de juros ante a alta volatilidade do câmbio nas últimas semanas. Sem estratégia, ao atual governo só resta rezar para que o Banco Central Europeu atue agressivamente, para que os consumidores americanos se comportem friamente, para que o governo japonês seja mais eficaz, para que haja cooperação entre o Federal Reserve, o Banco Central Europeu e o Banco do Japão para que o preço do petróleo caia, para que o Cavallo não manque etc. etc. etc.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).



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