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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Horizonte nublado
LUCIANO COUTINHO
Aumentaram os riscos de
uma desaceleração mais
pronunciada, geral e imprevista
da economia mundial ao longo
dos próximos meses. A situação
da Europa começa a preocupar:
sucessivos sinais de enfraquecimento do dinamismo econômico
da União Européia vêm sendo ignorados pelo Banco Central Europeu, que insiste em enxergar a
cena pelo espelho retrovisor. Na
Alemanha, carro-chefe da economia da região, as expectativas
empresariais se deterioraram rapidamente nos últimos meses, as
exportações perderam força (efeito da desaceleração nos Estados
Unidos) e o desemprego parou de
cair. Também na França começaram a aparecer sinais de queda
da confiança. O Banco Central
Europeu, no entanto, persiste fixado unicamente no índice de inflação (alta de 2,6% ao ano em fevereiro), que, movido pelo aumento do preço do petróleo (no
ano passado) e pela depreciação
do euro, ainda ultrapassa a meta
oficial de 2% ao ano.
Nesta última semana, apesar
da pressão cada vez mais explícita de autoridades nacionais e da
opinião de muitos analistas respeitados, o comitê de política do
Banco Central Europeu resolveu
manter a taxa básica em 4,75%
ao ano. Essa posição conservadora e míope decerto não colabora
para que o enfraquecimento econômico reverta, especialmente o
da Alemanha. Parece indispensável e urgente que cortes substanciais da taxa de juros sejam implementados nos próximos meses
para assegurar que a União Européia cresça razoavelmente bem,
acima de 3% ao ano pelo menos,
para evitar que o conjunto da
economia mundial regrida a uma
recessão. Essa crucialidade do desempenho da Europa se deve à
inevitabilidade da recessão em
curso nos Estados Unidos e à
prostração da economia japonesa.
Nos Estados Unidos o movimento recessionista começou no
fim do ano passado com quedas
fortes e sucessivas da demanda
por bens duráveis (especialmente
automóveis), seguida por quedas
significativas na formação de capital fixo pelo setor privado (inclusive equipamentos de informática e de telecomunicações).
Esse processo de desfalecimento
da demanda por bens duráveis e
por bens de capital provocou um
intenso e rápido ajuste da produção (devido ao acúmulo de estoques indesejados) com expressivo
desemprego de trabalhadores industriais. Por enquanto, porém, o
nível do emprego total vem sendo
mantido pelo setor de serviços e os
gastos correntes de consumo em
bens não-duráveis estão se sustentando embora em ritmo mais
lento. O perfil da desaceleração
da economia mais suave ou drástico dependerá, doravante, de como as decisões de consumo das
famílias estarão sendo afetadas
pelo grau de confiança na manutenção dos empregos e pela intensidade do efeito negativo decorrente da deflação da riqueza. O
impacto adverso das fortes quedas das Bolsas em março (e provavelmente neste mês) sobre o
consumo ainda não foi avaliado.
As recentes oscilações dos índices
de confiança dos consumidores
indicam, porém, que a situação é
instável. Há a possibilidade, sem
dúvida, de que se forme um círculo vicioso de insegurança, evaporação da riqueza mobiliária,
mais cortes do consumo para refazer posições patrimoniais, mais
desemprego...
A economia do Japão, por sua
vez, retornou à estagnação no início deste ano e, desde então, as
coisas só vêm piorando. O consumo continua caindo, e as exportações, que vinham ajudando a reativação, foram atingidas pela desaceleração do mercado americano. Debilitado politicamente pela
enorme impopularidade do primeiro-ministro Yoshiro Mori, o
governo parece imobilizado. Novas ações fiscais expansionistas
vêm sendo prometidas, porém esbarram no ceticismo dos mercados. A condução do processo de
saneamento dos bancos vem sendo confusa e pouco eficiente -incapaz de separar o joio do trigo.
Apavorado com a forte queda da
Bolsa e do valor dos imóveis em
março, o Banco do Japão passou
a praticar uma política de abundante expansão quantitativa da
emissão monetária, com juros
próximos a zero.
Nesse cenário cheio de riscos, há
ainda a precariedade da situação
da Argentina. Exposta aos vendavais por causa de seu elevado déficit externo e pela necessidade de
rolar suas dívidas e passivos em
moeda estrangeira, a economia
brasileira se defronta com uma
fase de alta incerteza. O nosso
Banco Central já confessou o seu
medo e a sua fragilidade ao subir,
sem convencer, a taxa de juros
ante a alta volatilidade do câmbio nas últimas semanas. Sem estratégia, ao atual governo só resta
rezar para que o Banco Central
Europeu atue agressivamente,
para que os consumidores americanos se comportem friamente,
para que o governo japonês seja
mais eficaz, para que haja cooperação entre o Federal Reserve, o
Banco Central Europeu e o Banco
do Japão para que o preço do petróleo caia, para que o Cavallo
não manque etc. etc. etc.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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