São Paulo, terça-feira, 01 de abril de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Crédito bem-vindo


Assumir dívidas é uma atitude saudável e construtiva, desde que exista sempre responsabilidade e critério

AO TOMAR posse para seu segundo mandato, em janeiro do ano passado, o presidente Lula fez um discurso surpreendentemente comedido em matéria de promessas e metas. Não arriscou previsões sobre criação de empregos nem mesmo citou seu recorrente desejo de que o PIB (Produto Interno Bruto) tenha um crescimento anual na casa de 5%. Um dos únicos números que ele incluiu no pronunciamento foi a pretensão de elevar o volume de crédito para 50% do PIB (Produto Interno Bruto) no país em 2010.
A declaração do presidente Lula foi, então, considerada bem-vinda, embora pudesse ser um pouco mais ousada. Naquele mês em que o presidente fez o pronunciamento, o crédito representava 30,7% do PIB. De fato, nos meses que se seguiram, a relação aumentou gradativamente, até chegar a 34,9% agora em fevereiro, segundo dados divulgados na semana passada pelo Banco Central.
É preciso deixar claro que essa relação é muito baixa para a economia brasileira e está muito aquém da verificada em outros países, sejam eles emergentes ou ricos. O nível médio internacional de crédito representa cerca de 100% do PIB. No Chile, é quase 70%, na Coréia, 90%, na China, 115%. Portanto, mesmo que o desejo do presidente Lula se torne realidade em 2010, o país estará ainda muito longe do nível ideal para manter a economia em ritmo saudável de crescimento.
Parece estranho, portanto, que o crescimento do crédito do ano passado, embora modesto diante da meta do próprio presidente, tenha provocado preocupações dentro do governo, a ponto de pensar na imposição de restrições ao crédito -felizmente desmentidas pelo ministro da Fazenda.
Nunca é demais lembrar que o crédito é um óbvio instrumento de desenvolvimento, que explica o crescimento dos países asiáticos, do Japão à China, e também está na base do avanço do continente europeu no período que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial. O Plano Marshall injetou recursos de US$ 13 bilhões no continente, uma fábula em valores da época, recolocando os países devastados pela guerra no caminho da prosperidade.
Pensar em restringir o crédito neste momento, quando a relação com o PIB está ainda em míseros 34,9%, sob o argumento da pressão de demanda, é um insulto ao país -como é um insulto também elevar a taxa básica de juros, decisão tida como certa para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária do BC.
Que a demanda está em expansão não se discute, mas também não há dúvidas de que os principais setores industriais aumentam gradativamente a oferta em razão de novos investimentos. No setor do aço, por exemplo, a produção nacional deve crescer neste ano 11%, nível superior ao da expansão prevista para o consumo. Apesar disso, haverá aumentos de preços, não pela pressão de demanda, mas pelo aumento de custos de matérias-primas em escala internacional.
Não há nenhum mal em assumir dívidas, seja para o consumidor, seja para o produtor. Essa é uma atitude saudável e construtiva, desde que exista sempre responsabilidade e critério, o que atualmente é atestado pelos baixos níveis de inadimplência.
Uma crise americana decorrente da concessão de crédito irresponsável não deve nos levar a ter medo de usar esse instrumento em sua plenitude. A principal alavanca do crescimento econômico do ano passado foi o crédito. E, na verdade, sem essa alavanca, nenhuma economia pode crescer. O presidente Lula está certo em propor aumento da relação crédito/PIB, embora sua meta seja pouco ambiciosa.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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