São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A nova conta do déficit externo


Sob Lula, remessa de lucro do investimento produtivo ganha mais peso; importação em alta faz o grosso do déficit corrente

DE FHC para Lula, houve uma alteração relevante na composição da remessa de lucros do capital estrangeiro. Cresceu bem a parcela dos ganhos do investimento dito "produtivo" e em ações. Caiu a participação dos rendimentos com renda fixa, em geral títulos da dívida pública -juros do governo.
Não é uma surpresa. Sob FHC, os juros eram mais altos, e o crescimento, mais baixo. A abertura tucana ao capital estrangeiro mostrou seu efeito só quando a economia passou a rodar mais rápido. Mas a mudança joga alguma luz sobre o resultado da conta corrente de 2008.
A conta corrente registra as transações de bens e serviços com o exterior. Anota vendas e compras de bens (a balança comercial), despesas e receitas externas de serviços (como transporte e gastos com turismo) e entradas e saídas de "rendas", como a remuneração do capital: lucro de empresas, ganho de aplicações estrangeiras em ações e renda fixa. Quando se fala de "déficit externo", em geral trata-se do déficit em transações correntes.
Depois de quatro anos e meio, em janeiro o Brasil voltou a ter déficit na conta corrente, aliás a situação mais comum na história do país. As despesas externas cresceram 37% nos últimos 12 meses; as receitas, 18%. O superávit externo era de US$ 13,9 bilhões em abril de 2007; agora, há déficit de US$ 14,7 bilhões.
Muito se fala do papel da remessa de lucros nessa inversão. Mas a participação das importações de bens na despesa externa total ficou em 60% nesses 12 meses (e entre 57% e 60% sob Lula). A da conta de rendas ficou em torno de 20,5% (ora está em 21,3%). O que mudou mais foi a composição da conta de rendas. A remessa de lucros e dividendos do investimento direto (dito "produtivo") passou de 37% para 48% do total das "rendas" em um ano. A remessa derivada de aplicações em renda fixa caiu de 26% para 17%.
Sob FHC 2, a remessa da renda fixa ficou entre 28% e 43%; a de lucros e dividendos do investimento direto, resultado da atividade das empresas estrangeiras "produtivas", flutuava entre entre 14% e 23% do total da conta de rendas.
As remessas derivadas da remuneração do capital subiram algo mais que a despesa com a importação de bens desde abril de 2007 (41,4% contra 38%). Mas na remessa de ganhos do investimento "produtivo" é que ocorreu alta forte -87% no período, para US$ 23,5 bilhões (as importações, porém, estão em US$ 135 bilhões). Quanto às receitas externas do Brasil, as exportações de bens respondem por 80% do total. O contrapeso na conta corrente depende de exportações.
Confirmada a perspectiva de crescimento e estabilidade (mais PIB, menos juros, câmbio variando pouco, mais investimento estrangeiro), tende a crescer a remessa de lucros. Um déficit externo modesto não chega a ser problema. Em tese, causa um ajuste leve no câmbio, o que pode auxiliar exportações. Déficit externo demais pode levar a uma desvalorização mais forte do real e a mais inflação. Em tese, seria razoável esperar o fim da valorização do real lá por 2009. Está difícil de estimar, porém, o que será do investimento estrangeiro após a melhora da nota de crédito do país. O real forte ainda parece um caso sub judice.

vinit@uol.com.br


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