São Paulo, segunda-feira, 01 de outubro de 2007 |
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MARCOS CINTRA O mito da regressividade da CPMF
ESTE ARTIGO é apenas para registrar a existência de um mito cuja inveracidade precisa ser revelada: a inerente regressividade dos impostos indiretos em geral, e da CPMF em particular. Em exercício que produzi utilizando quatro faixas mensais de renda familiar da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2002/2003 do IBGE, onde apliquei em cada item que compõe a estrutura de gastos familiares a carga direta e indireta desse tributo (calculada com o uso do modelo de Leontieff com base na matriz interindustrial do IBGE), o resultado mostrou que a regressividade do imposto não é significativa, devendo mais corretamente ser classificado como proporcional. Na menor faixa de rendimento (R$ 454,69) a CPMF (direta e indireta) representa 1,64% da renda; na segunda (R$ 1.215,33), 1,58%; na terceira (R$ 2.450,05), 1,51%; e na quarta (R$ 8.721,92), 1,41%. No artigo Imposto sobre Circulação Financeira, publicado na Folha em 24/9/95, a então deputada federal Maria da Conceição Tavares descreveu o resultado de uma simulação para apurar a suposta regressividade do IPMF (atual CPMF) sobre as pessoas físicas e concluiu que esse tipo de tributo "recai fundamentalmente sobre o segmento de maiores rendas". Segundo ela é falso o argumento de que o imposto pune basicamente os mais pobres, uma vez que, em seus exercícios, constatou-se que as alíquotas médias efetivas são maiores para as camadas de renda mais alta. Conclusões semelhantes foram publicadas por Nelson Leitão Paes e Mirta Noemi Sataka Bugarin no estudo "Parâmetros Tributários da Economia Brasileira", publicado na Revista de Estudos Econômicos - FEA-USP (out-dez/2006). Os autores concluem que a CPMF é o imposto mais harmonioso do sistema tributário brasileiro. A tabela desta página, extraída do trabalho citado e que reproduz faixas de renda selecionadas, mostra que a CPMF é um imposto proporcional. O ônus desse tributo sobre o orçamento das famílias se mantém na casa de 1,3%, ou seja, ele é uniforme em qualquer faixa de renda, não é regressivo. Os dados da tabela revelam ainda que a tese de que a tributação sobre o consumo é mais injusta também não se sustenta. A distribuição da carga entre as faixas de renda praticamente não se altera, ficando na casa dos 28% para quase todos os níveis de renda familiar. Vale a pena chamar a atenção na tabela para a regressividade do ICMS, um imposto sobre valor agregado. Essa sistemática é considerada muitas vezes como justa e o estudo revela que nela as pessoas mais pobres são mais oneradas. Pode-se concluir que a tese da regressividade essencial dos tributos indiretos e da CPMF tem pés de barro. É um mito que se desfaz. Antes de repetir, sem a necessária crítica, alguns conceitos heurísticos de livros-texto de economia, os leitores cuidadosos devem saber que a questão exige análise caso a caso. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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