São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008

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Crise vaza de Wall Street para a "Main Street"

Milhares de empresas e lojas já sofrem com o aperto no crédito provocado pela crise financeira nos Estados Unidos

Empresas de alimentos reduzem porções, lojas antecipam liquidações e redes de lanchonetes optam por opções mais baratas

Stephen Chernin - 29.set.08/Associated Press
Pessoas entram em estação do metrô em Wall Street; após atingir bancos, crise chega ao setor não-financeiro norte-americano

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

A crise de Wall Street está chegando à "Main Street", ou à "Rua Principal", como os norte-americanos costumam se referir à economia não-financeira em seu país. De negócios com computadores a ovos, milhares de empresas já sofrem e se mexem diante do aperto no crédito provocado pela crise.
Companhias de alimentos como Kellogg's, Campbell Soup e Kraft Foods já mudaram estratégias para reduzir porções e aumentar margens. Outras redes como Pizza Hut e Wendy's estão colocando opções mais baratas nos menus.
No setor de eletrônicos, a gigante Circuit City (segunda no ramo) procura compradores para algumas de suas 1.486 lojas, e a Apple é uma das mais castigadas na Bolsa. Motivo: 70% das vendas de computadores da Apple nos EUA são de máquinas acima de US$ 1.500, quando há dezenas de marcas mais baratas no mercado.
Já nas ruas de Manhattan a crise está nas vitrines, com várias redes de lojas com baixo movimento antecipando as liquidações pré-inverno.
Entre os consumidores, o aperto no crédito ultrapassou as fronteiras do mercado imobiliário. Desde abril, dobrou o número de bancos (de 30% do total para 65%) que adotaram políticas mais restritivas para a concessão de financiamentos, tanto para cartões de crédito como nas redes de varejo, segundo uma nova pesquisa do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos).
Analistas consideram o atual momento como o possível fim de um longo período de 17 anos em que o consumo e o crédito norte-americanos puxaram os vagões da economia mundial.
Em crises anteriores, quando os mercados fraquejaram, os consumidores norte-americanos vieram em seu resgate. Desta vez, o fôlego é curto. E os consumidores podem, ao contrário, ajudar a piorar o quadro.
As dívidas das famílias americanas atingiram o recorde histórico de US$ 14,5 trilhões no mês passado. Além disso, o chamado "efeito riqueza" entre os americanos médios, que têm nas suas casas e nas ações em Bolsa a maior parte do seu patrimônio e poupança, vem encolhendo rapidamente.
Nos últimos 12 meses, os donos de residências nos EUA conseguiram levantar apenas US$ 205 bilhões em crédito dando suas casas como garantia. Em 2006, o valor anualizado atingia US$ 1,1 trilhão.
Quanto mais caem os preços dos imóveis, pior o cenário. Em julho, os preços das casas em 20 grandes cidades no país tiveram o ritmo de queda mais acelerado já registrado. O índice S&P/Case-Shiller cedeu 16,3% na comparação com julho de 2007 -e vem despencando desde o final de 2006.
Com menos crédito disponível, dificilmente haverá mais consumo. Três quartos do PIB (Produto Interno Bruto) norte-americano de US$ 14 trilhões são gerados pelo consumo. Já as dívidas pessoais das famílias (com casa, carro, lojas etc.) eqüivalem a 100% do PIB.

"Pior está por vir"
"Do ponto de vista dos consumidores, o pior ainda está por vir", afirma Conrad Quadros, da empresa de consultoria financeira RDQ e ex-economista do Bear Stearns.
Enquanto o crédito secou, o desemprego também aumentou. Nos últimos dez meses, 605 mil pessoas foram dispensadas, elevando a taxa de desemprego a 6,1%. O ritmo de aceleração da taxa é o maior em mais de 25 anos.
"O crédito é o grande combustível da economia norte-americana. Por isso, o quadro atual é extremamente sério", afirma Robert Gahagan, diretor da American Century Investments. Ele acrescenta que consumidores e empresas pequenas e médias, principalmente, serão os mais afetados.
Segundo levantamento do Merrill Lynch, companhias com pouco histórico de crédito ou de pequeno para médio portes têm sido obrigadas a pagar quase 11% ao ano acima dos juros do títulos federais para conseguir linhas de financiamento nos últimos dias.
Se comparado com a taxa básica de juros no país, hoje em 2% ao ano, o custo é extremamente alto. Três entre cada quatro donos de pequenos negócios também afirmam estar mais difícil conseguir crédito nas últimas semanas, segundo pesquisa da empresa de cartões de crédito Discover.
Já entre as companhias de primeira linha, houve queda de até 12% no valor dos papéis que elas colocam no mercado para levantar dinheiro para suas operações do dia-a-dia.
O vazamento da crise dos mercados para setores não-financeiros chegou a levar um grupo de representantes de grandes companhias ao Congresso na segunda-feira para pressionar os parlamentares para que aprovassem o pacote de US$ 700 bilhões para socorrer os bancos.
"Os vários setores da economia estão tão intrinsecamente ligados que temos de reconhecer que toda a economia gira em torno do que acontece aqui", afirmou Brad Smith, assessor jurídico da Microsoft, em entrevista no Congresso.
Outras gigantes como a General Electric, Office Depot e Schering-Plough Corp. também enviaram representantes ao Congresso na segunda.
Embora os parlamentares não tenham ouvido os apelos da chamada "Main Street" e tenham derrubado o pacote, a histórica queda da Bolsa de Nova York anteontem, envolvendo as ações dos mais diversos setores, foi uma indicação de quanto a crise ainda pode afetar a economia não-financeira.


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