São Paulo, Segunda-feira, 01 de Novembro de 1999
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AVIAÇÃO COMERCIAL
Economista do Banco Mundial diz que fim do protecionismo reduziria o preço das passagens
"Brasil deve liberar linhas domésticas"

ISABEL VERSIANI
da Sucursal de Brasília

Rughvir Khemani, economista sênior do Departamento de Desenvolvimento do Setor Privado do Banco Mundial e um dos maiores especialistas do mundo em defesa da concorrência, defende que o Brasil deve liberar rotas aéreas domésticas à exploração de empresas estrangeiras.
Para Khemani, o fim do protecionismo no setor seria fundamental para garantir a redução dos preços das passagens. Um exemplo é a Nova Zelândia.
Khemani também defendeu a ampla reformulação da legislação brasileira de defesa da concorrência.
Ele acha que o Brasil deveria ter apenas um órgão de defesa da concorrência para investigar os atos de concentração e abusos à ordem econômica.
Atualmente, além do Cade, dois outros órgãos fazem parte do sistema de defesa da concorrência no país: a Secretaria de Direito Econômico, ligada ao Ministério da Justiça, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico, vinculada ao Ministério da Fazenda.
Khemani tem dado orientações ao governo brasileiro na área de defesa da concorrência desde 1994. Ele é canadense de origem indiana e já foi economista-chefe do órgão de defesa da concorrência do Canadá.
Durante a entrevista, Khemani ressaltou que não estava falando em nome do Banco Mundial. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - O setor de aviação civil brasileiro está na iminência de passar por um processo de transformação. O governo já anunciou que vai liberar os preços das tarifas e as empresas estão falando na possibilidade de se fundir. Em sua opinião, qual o papel que o governo deve exercer nesse setor?
Rughvir Khemani -
Como um princípio geral, não acho que o governo e os burocratas saibam como o mercado funciona, por isso eu me preocupo com intervenções do Estado na economia.
É preciso examinar a situação da aviação civil. Examinar se as passagens estão caras por causa da regulação governamental ou porque há pouca competição. Ver, também, quais as possibilidades de novos concorrentes entrarem no setor, sejam empresas nacionais ou estrangeiras.

Folha - O sr. defende que empresas estrangeiras façam vôos domésticos?
Khemani -
Sim, por que não? A Nova Zelândia fez isso no final dos anos 80 e, como consequência, os preços baixaram bastante.

Folha - E na União Européia e nos Estados Unidos, como funciona o setor de aviação civil?
Khemani -
Na União Européia há barreiras. E os Estados Unidos também não permitem que empresas canadenses, baseadas no Canadá, por exemplo, operem vôos domésticos. Mas não há nada que impeça uma empresa canadense de se instalar nos Estados Unidos e oferecer serviços lá dentro.

Folha - O que o governo brasileiro argumenta é que essa abertura de mercado para empresas estrangeiras feriria a soberania nacional.
Khemani -
Não entendo assim. Não se está privatizando a Força Aérea Brasileira ao permitir que estrangeiros operem vôos domésticos. Mas, claro, essa é uma opinião de um economista.
Na prática, essa liberação total não acontece. Os norte-americanos têm seus interesses, os brasileiros têm seus interesses. E, como resultado, nós -consumidores e passageiros- acabamos pagando tarifas mais caras.

Folha - De que outras formas a competição interna pode ser acirrada em benefício do consumidor?
Khemani -
Sempre que há desregulamentação, os preços baixam de forma dramática. Nos EUA, a competição é de tal ordem que algumas companhias aceitam ofertas de preços dos clientes pela Internet.
Nesse caso, se a empresa aceitar o preço oferecido, o passageiro é obrigado a comprar a passagem. Se ela não aceitar, ele pode tentar aumentar um pouco o seu preço.
Em um outro sistema de vendas de passagem, o consumidor anuncia, pela Internet, que trecho quer voar. As empresas aéreas oferecem o preço que estão dispostas a cobrar pelo serviço e o consumidor escolhe a melhor oferta. É um tipo de leilão pelo passageiro.
Países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, estão deixando de aproveitar os benefícios que a desregulamentação desse setor traz para os consumidores. A desregulamentação faz a demanda aumentar.

Folha - E a fusão das empresas aéreas é benéfica para o setor?
Khemani -
De novo, não acho que os burocratas devem sentar e dizer se quatro companhias aéreas são suficientes ou não para o país, ou se elas devem se fundir. Os empresários é que têm de decidir isso.
Se duas empresas querem se fundir, elas devem apresentar seus argumentos ao Cade e explicar o porquê da operação, quais os ganhos de eficiência que ela pode trazer.
A única coisa com a qual o governo deve se preocupar é se está havendo monopólio no mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, os aeroportos ainda estão na mão do governo, por questões estratégicas, mas a decisão de que rotas as companhias poderão explorar é tomada por meio de um sistema de oferta competitiva.

Folha - Outro caso de concorrência que está gerando muito interesse no Brasil é o da fusão das cervejarias Brahma e Antarctica. Juntas, elas concentrarão cerca de 70% do mercado de cervejas no país. Isso é preocupante?
Khemani -
Em questões de competição, nós sempre dizemos que não podemos olhar apenas para a participação de mercado.
Dá para ter duas empresas com 70% ou 80% do mercado e, ainda assim, ter competição de preços, se a entrada no mercado for fácil. Dessa forma, se o preço estiver alto, outros competidores serão atraídos para o mercado.
É preciso olhar as barreiras à entrada. Se as barreiras forem altas, a fusão será motivo de preocupação. Por outro lado, pode haver ganhos de eficiência com a operação.

Folha - Que setores da economia geram, internacionalmente, mais problemas na área de concorrência?
Khemani -
Os mercados financeiros. Geralmente os bancos centrais gostam de estar no controle das questões de competição nesse setor, como fusões e aquisições.
Acho que as agências de competição também devem ter um papel no sistema financeiro. Elas devem analisar os efeitos das fusões de bancos na competição.

Folha - Que problemas essas fusões podem representar para a concorrência?
Khemani -
Os bancos cobram um preço por seus serviços, então temos de garantir que esses preços sejam definidos por critérios competitivos. Eles deveriam estar sujeitos às mesmas regras que os outros setores da economia. Nos países, geralmente há poucos bancos. Além disso, depois que um consumidor abre uma conta em um banco, ele não troca facilmente de banco, porque essa mudança envolve custos. São detalhes que dificultam a competição.
Apesar disso, não tem havido muitos processos de competição contra bancos no mundo.

Folha - Que outros setores apresentam problemas?
Khemani -
Historicamente, os problemas de competição têm aparecido em setores como os de aço, cimento, flores e açúcar. Em geral, há poucos produtores nesses setores e eles tendem a adotar preços homogêneos.

Folha - Qual a análise que o sr. faz do sistema de defesa da concorrência no Brasil?
Khemani -
Desde a minha primeira visita ao Brasil, em 1994, tenho feito comentários sobre dois aspectos da implementação da lei de defesa da concorrência.
Meu conselho é que o país revise a legislação para que haja apenas uma agência de investigação dos casos, com o direito de apelação para uma corte administrativa. Não deveria haver três agências, uma no Ministério da Fazenda e duas no Ministério da Justiça. Isso impõe custos para os negócios e não é apropriado.
Se uma companhia quer comprar outra e obtém uma linha de financiamento com um banco para a operação, ele tem de pagar juros todos os dias. Então, se o caso sofre atrasos, isso representa custos altos.
Também defendo a notificação antecipada aos órgãos de defesa da concorrência.
Os atos de fusão e de aquisição só deveriam ser efetivados no país depois de terem sido aprovados pelo Cade.

Folha - Por quê?
Khemani -
A analogia que se faz é a seguinte: uma fusão é como fazer um omelete.
Depois que o omelete está pronto, não é mais possível separar os ovos. Então é mais apropriado manter as empresas separadas enquanto se resolve o caso.




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