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AVIAÇÃO COMERCIAL
Economista do Banco Mundial diz que fim do protecionismo reduziria o preço das passagens
"Brasil deve liberar linhas domésticas"
ISABEL VERSIANI
da Sucursal de Brasília
Rughvir Khemani, economista
sênior do Departamento de Desenvolvimento do Setor Privado
do Banco Mundial e um dos
maiores especialistas do mundo
em defesa da concorrência, defende que o Brasil deve liberar rotas aéreas domésticas à exploração de empresas estrangeiras.
Para Khemani, o fim do protecionismo no setor seria fundamental para garantir a redução
dos preços das passagens. Um
exemplo é a Nova Zelândia.
Khemani também defendeu a
ampla reformulação da legislação
brasileira de defesa da concorrência.
Ele acha que o Brasil deveria ter
apenas um órgão de defesa da
concorrência para investigar os
atos de concentração e abusos à
ordem econômica.
Atualmente, além do Cade, dois
outros órgãos fazem parte do sistema de defesa da concorrência
no país: a Secretaria de Direito
Econômico, ligada ao Ministério
da Justiça, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico, vinculada ao Ministério da Fazenda.
Khemani tem dado orientações
ao governo brasileiro na área de
defesa da concorrência desde
1994. Ele é canadense de origem
indiana e já foi economista-chefe
do órgão de defesa da concorrência do Canadá.
Durante a entrevista, Khemani
ressaltou que não estava falando
em nome do Banco Mundial.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - O setor de aviação civil
brasileiro está na iminência de
passar por um processo de
transformação. O governo já
anunciou que vai liberar os preços das tarifas e as empresas estão falando na possibilidade de
se fundir. Em sua opinião, qual
o papel que o governo deve
exercer nesse setor?
Rughvir Khemani - Como um
princípio geral, não acho que o
governo e os burocratas saibam
como o mercado funciona, por isso eu me preocupo com intervenções do Estado na economia.
É preciso examinar a situação
da aviação civil. Examinar se as
passagens estão caras por causa
da regulação governamental ou
porque há pouca competição.
Ver, também, quais as possibilidades de novos concorrentes entrarem no setor, sejam empresas
nacionais ou estrangeiras.
Folha - O sr. defende que empresas estrangeiras façam vôos
domésticos?
Khemani - Sim, por que não? A
Nova Zelândia fez isso no final
dos anos 80 e, como consequência, os preços baixaram bastante.
Folha - E na União Européia e
nos Estados Unidos, como funciona o setor de aviação civil?
Khemani - Na União Européia
há barreiras. E os Estados Unidos
também não permitem que empresas canadenses, baseadas no
Canadá, por exemplo, operem
vôos domésticos. Mas não há nada que impeça uma empresa canadense de se instalar nos Estados
Unidos e oferecer serviços lá dentro.
Folha - O que o governo brasileiro argumenta é que essa
abertura de mercado para empresas estrangeiras feriria a soberania nacional.
Khemani - Não entendo assim.
Não se está privatizando a Força
Aérea Brasileira ao permitir que
estrangeiros operem vôos domésticos. Mas, claro, essa é uma opinião de um economista.
Na prática, essa liberação total
não acontece. Os norte-americanos têm seus interesses, os brasileiros têm seus interesses. E, como resultado, nós -consumidores e passageiros- acabamos pagando tarifas mais caras.
Folha - De que outras formas a
competição interna pode ser
acirrada em benefício do consumidor?
Khemani - Sempre que há desregulamentação, os preços baixam de forma dramática. Nos
EUA, a competição é de tal ordem
que algumas companhias aceitam
ofertas de preços dos clientes pela
Internet.
Nesse caso, se a empresa aceitar
o preço oferecido, o passageiro é
obrigado a comprar a passagem.
Se ela não aceitar, ele pode tentar
aumentar um pouco o seu preço.
Em um outro sistema de vendas
de passagem, o consumidor
anuncia, pela Internet, que trecho
quer voar. As empresas aéreas
oferecem o preço que estão dispostas a cobrar pelo serviço e o
consumidor escolhe a melhor
oferta. É um tipo de leilão pelo
passageiro.
Países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, estão deixando de aproveitar os benefícios
que a desregulamentação desse
setor traz para os consumidores.
A desregulamentação faz a demanda aumentar.
Folha - E a fusão das empresas
aéreas é benéfica para o setor?
Khemani - De novo, não acho
que os burocratas devem sentar e
dizer se quatro companhias aéreas são suficientes ou não para o
país, ou se elas devem se fundir.
Os empresários é que têm de decidir isso.
Se duas empresas querem se
fundir, elas devem apresentar
seus argumentos ao Cade e explicar o porquê da operação, quais
os ganhos de eficiência que ela
pode trazer.
A única coisa com a qual o governo deve se preocupar é se está
havendo monopólio no mercado.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os aeroportos ainda estão na
mão do governo, por questões estratégicas, mas a decisão de que
rotas as companhias poderão explorar é tomada por meio de um
sistema de oferta competitiva.
Folha - Outro caso de concorrência que está gerando muito
interesse no Brasil é o da fusão
das cervejarias Brahma e Antarctica. Juntas, elas concentrarão cerca de 70% do mercado
de cervejas no país. Isso é preocupante?
Khemani - Em questões de
competição, nós sempre dizemos
que não podemos olhar apenas
para a participação de mercado.
Dá para ter duas empresas com
70% ou 80% do mercado e, ainda
assim, ter competição de preços,
se a entrada no mercado for fácil.
Dessa forma, se o preço estiver alto, outros competidores serão
atraídos para o mercado.
É preciso olhar as barreiras à entrada. Se as barreiras forem altas,
a fusão será motivo de preocupação. Por outro lado, pode haver
ganhos de eficiência com a operação.
Folha - Que setores da economia geram, internacionalmente,
mais problemas na área de concorrência?
Khemani - Os mercados financeiros. Geralmente os bancos centrais gostam de estar no controle
das questões de competição nesse
setor, como fusões e aquisições.
Acho que as agências de competição também devem ter um papel no sistema financeiro. Elas devem analisar os efeitos das fusões
de bancos na competição.
Folha - Que problemas essas
fusões podem representar para
a concorrência?
Khemani - Os bancos cobram
um preço por seus serviços, então
temos de garantir que esses preços sejam definidos por critérios
competitivos. Eles deveriam estar
sujeitos às mesmas regras que os
outros setores da economia. Nos
países, geralmente há poucos
bancos. Além disso, depois que
um consumidor abre uma conta
em um banco, ele não troca facilmente de banco, porque essa mudança envolve custos. São detalhes que dificultam a competição.
Apesar disso, não tem havido
muitos processos de competição
contra bancos no mundo.
Folha - Que outros setores
apresentam problemas?
Khemani - Historicamente, os
problemas de competição têm
aparecido em setores como os de
aço, cimento, flores e açúcar. Em
geral, há poucos produtores nesses setores e eles tendem a adotar
preços homogêneos.
Folha - Qual a análise que o sr.
faz do sistema de defesa da concorrência no Brasil?
Khemani - Desde a minha primeira visita ao Brasil, em 1994, tenho feito comentários sobre dois
aspectos da implementação da lei
de defesa da concorrência.
Meu conselho é que o país revise a legislação para que haja apenas uma agência de investigação
dos casos, com o direito de apelação para uma corte administrativa. Não deveria haver três agências, uma no Ministério da Fazenda e duas no Ministério da Justiça.
Isso impõe custos para os negócios e não é apropriado.
Se uma companhia quer comprar outra e obtém uma linha de
financiamento com um banco para a operação, ele tem de pagar juros todos os dias. Então, se o caso
sofre atrasos, isso representa custos altos.
Também defendo a notificação
antecipada aos órgãos de defesa
da concorrência.
Os atos de fusão e de aquisição
só deveriam ser efetivados no país
depois de terem sido aprovados
pelo Cade.
Folha - Por quê?
Khemani - A analogia que se faz
é a seguinte: uma fusão é como fazer um omelete.
Depois que o omelete está pronto, não é mais possível separar os
ovos. Então é mais apropriado
manter as empresas separadas
enquanto se resolve o caso.
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