São Paulo, sábado, 2 de janeiro de 1999

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ARTIGO
O inimigo interno

MARIO AMATO
˛

"Claro que os inimigos externos devem ser combatidos, mas nada mais corrosivo do que o inimigo interno."
Rachel Regis


˛ O artigo da senhora Rachel Regis na revista "RH", do qual tirei várias cópias e distribuí para os amigos otimistas e também para os pessimistas, porque para mim a virtude está no meio, encontra respaldo em fato que poderá ser concretizado depois de amanhã e que consiste no seguinte.
O ministro da Educação tem em mãos um alentado estudo para aquisição de equipamentos destinados às universidades de ensino médico. Há uma proposta para aquisição que chega a US$ 100 milhões, podendo ser ampliada para US$ 300 milhões, com financiamento externo, sendo que parte desse equipamento deverá ser adquirida no mercado interno.
Supondo que tudo será feito às claras e honestamente, considerando a situação do país, carente de divisas, com déficit na balança comercial, com indústrias fechando ou reduzindo suas atividades e, consequentemente, gerando desemprego, cremos que os ministros da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento deveriam participar da licitação, que será feita nos primeiros dias de janeiro.
O fato de tratar-se de empréstimo externo, que aumentará a dívida externa a ser paga pelos futuros governos, é mero pretexto, que não reduz as comissões dos intermediários do negócio, variáveis entre 15% e 25%, o que indica que parte do empréstimo se perderá. E vale a pena perguntar: os produtos a serem importados são realmente necessários e obedecem a uma ordem de prioridade? As firmas que os produzem são idôneas? Há garantia de assistência técnica permanente? E o pessoal que vai manusear esse equipamento está preparado?
Os valores estimados são muito grandes, e a negociação exige total transparência, para evitar que o banco responsável pelo empréstimo esteja pressionando para que os equipamentos sejam adquiridos só de firmas estrangeiras, que precisam se desfazer de estoques fora de linha. Quanto às comissões a serem pagas, um ministro, no passado, já afirmou que "fica mais econômico para o país pagá-las aos interessados e suspender a licitação". Temos entre nós exemplos de equipamentos adquiridos no exterior que nem sequer foram desencaixotados, porque obsoletos.
Nesse caso, seria aconselhável seguir o exemplo dos Estados Unidos, que não importam equipamentos quando estes são produzidos no país.
No Japão, ao que eu sei, quando há necessidade de comprar produtos não só para o governo, mas para o mercado, o Keidanren precisa opinar. No Brasil, teriam de ser ouvidos os sindicatos patronais da área. O ministro da Ciência e Tecnologia deveria intervir para que os produtos nacionais não fossem deixados de lado em favor dos estrangeiros, por razões óbvias, como incremento tecnológico, ajuda na retomada do desenvolvimento nacional e geração de empregos para os brasileiros.
O ministro do Desenvolvimento também não pode deixar de ser ouvido em uma negociação que envolve valor bastante alto, que se refletirá na balança comercial, reduzirá a atividade interna e a exportação. Isso prejudicará a empresa brasileira, que há anos vem colocando seus produtos no mercado internacional com grande aceitação, fato que os "inimigos internos" do Brasil não levam em consideração.
Não é possível admitir sem protesto tamanho desatino dos que subestimam a indústria nacional, trabalham para desacreditar os fornecedores locais e se esforçam para importar produtos que são, quase sempre, sucatas em seus países de origem. A alegação de que o Brasil agradece pela entrada de créditos bancários externos, mais do que ridícula, é trágica, porque o que entrará não é recurso financeiro, mas produto que abunda no exterior. Não é possível silenciar diante de tal ameaça, que lesa o interesse nacional. Reclamamos bom senso e patriotismo dos que estão à frente dessa negociação.
˛

Mario Amato, 79, empresário, é presidente emérito da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).



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