São Paulo, sábado, 2 de janeiro de 1999

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LUÍS NASSIF
O reconhecimento social

A teoria econômica, especialmente os princípios que se poderiam enquadrar no rótulo "neoliberal", consagrou o primado do interesse individual nas relações sociais e econômicas. Toda pessoa aspira a crescer profissionalmente e ganhar mais. É a soma de interesses individuais que acaba produzindo o interesse coletivo, na forma de mais progresso e desenvolvimento.
Ao atribuir exclusivamente ao interesse individual egoísta o motor de todas as ações transformadoras da sociedade, esse tipo de pensamento não apenas tornou as relações humanas mais pobres, como jogou para segundo plano uma das forças essenciais de motivação da ação pública: o reconhecimento social.
Há pouquíssimos estudos sobre o papel desempenhado por esses valores, especialmente na sociedade brasileira, ela mesma muito pobre de ações públicas. Olhando para trás, no entanto, basta um levantamento da história das santas casas de misericórdia. Com décadas de investimento público e privado na área social, não há nada que substitua a rede de santas casas e os hospitais universitários -aqueles que não se tornaram feudos privados de médicos e catedráticos. E os provedores ambicionavam apenas o reconhecimento público.
Olhando para a frente, analisem-se as ações comunitárias municipais -como o caso de Limeira, recentemente abordado pela coluna. Nos dois casos, ocorreu a ação desprendida de cidadãos que tinham, como meta principal, o reconhecimento dos seus conterrâneos.
Não apenas na saúde, mas nos clubes sociais, nos eventos municipais, a presença desses cidadãos é visível a olho nu. Em 1956, Poços de Caldas viveu seu maior evento turístico, os Jogos Abertos, graças a um único cidadão, o "seu" Ferreira, que trouxe a idéia, o entusiasmo e mobilizou outros conterrâneos.
Foi um evento de importância econômica, à medida em que reforçou o nome da cidade no turismo nacional. No entanto, não pode ser explicado à luz dos "interesses egoístas" porque o "seu" Ferreira aspirava apenas ao reconhecimento dos seus conterrâneos -e nem teve até agora.
Quando se olha o futuro, percebe-se que esse tipo de cidadão é peça-chave na próxima etapa de desenvolvimento. O novo desenho econômico social brasileiro passa pela formação de comunidades organizadas, nas diversas cidades do interior, articulando negócios, desenvolvimento e ações sociais.
O primeiro passo da montagem desse modelo é a disseminação de novos conceitos. O exemplo da Itália tem sido fundamental para alertar para o potencial extraordinário dessa nova forma de organização de comunidades e de pequenas empresas.
Mas poucas comunidades conseguem avançar sem a presença, localmente, do líder comunitário -capaz de mobilizar as forças sociais em torno de objetivos comuns. Esse líder precisa não apenas de ter visão de futuro, mas ser suficientemente desprendido para que sua ação não passe a idéia de "levar vantagem" -fator que imediatamente comprometeria sua liderança e inibiria a coesão do grupo.
Daí a importância de o poder público saber esgrimir essa força. Nos anos 50, a campanha "o petróleo é nosso" se organizou em torno dessas idéias de temas nacionais acoplados com reconhecimento público -em cada cidade, quem aderia à campanha era visto como soldado da pátria. Nos anos 60, a energia extraordinária do tema público foi canalizada para aquela bobagem chamada "dê ouro para o bem do Brasil", mas que, de qualquer forma, demonstrou a extraordinária capacidade de mobilização das idéias públicas.
Nos anos 70, o reconhecimento público foi um dos principais estímulos para a melhoria do esforço exportador. A cada ano havia uma premiação de o "exportador do ano", com o prêmio sendo conferido pessoalmente pelo presidente da República.
Nos próximos meses será lançado oficialmente o projeto "Exporta Brasil", que visará incutir nas pequenas empresas e comunidades do interior a idéia da exportação. A principal arma de mobilização será a do reconhecimento público. Cada pequena empresa que vencer os medos e se lançar à fascinante aventura da exportação não apenas poderá ganhar mercado, mas ser considerada um "soldado da pátria".



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