São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Exploração de pedra semipreciosa causa doença pulmonar

Enfermidade típica da Revolução Industrial, do século 18, atinge garimpeiros da "capital mundial da ametista", no RS

Segundo pesquisa, 30% dos trabalhadores em minas apresentam os sintomas; pelo menos 70 aguardam transplante de pulmão

Caio Guatelli/Folha Imagem
Trabalhador mostra ametista em garimpo no RS

FELIPE BÄCHTOLD
DA AGÊNCIA FOLHA, EM AMETISTA DO SUL (RS)

O ex-garimpeiro José Fermino Moreira, 54, fica cansado só de conversar. Há dois anos afastado do trabalho na exploração de minas, sofre de silicose, doença pulmonar típica da Revolução Industrial do século 18 e que atinge, em surto, uma cidade do interior gaúcho.
Ametista do Sul (422 km de Porto Alegre), município de 8.000 habitantes que se intitula a "capital mundial da pedra ametista", tem quase 30% dos trabalhadores que exploram o minério com sintomas da doença, segundo pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (RS). De acordo com o governo do Estado, ao menos 70 moradores esperam transplante de pulmão, única saída para a doença, incurável.
A moléstia, uma das mais antigas doenças ocupacionais conhecidas, é provocada pelo acúmulo de pó de sílica nos pulmões. A substância é liberada da rocha durante escavações nas galerias subterrâneas onde a pedra é encontrada. Ao longo dos anos, forma cicatrizes permanentes nos pulmões. Entre seus sintomas estão tosse, fadiga, dor no peito e alterações respiratórias.
Violeta, a ametista é usada principalmente na decoração de ambientes. Na cidade, um quilo da pedra é vendido por R$ 6. Em sites estrangeiros, por quase cinco vezes mais. Mais de 1.200 trabalhadores atuam nas minas do município, cuja economia gira em torno da pedra.

Informalidade
A maior parte dos garimpeiros não tem amparo legal. Cada trabalhador é considerado autônomo, sem registro em carteira. Ao fim de cada semana, comercializam as pedras encontradas e 60% da venda vai para o dono da mina, em geral um pequeno proprietário.
Em média, o lucro do trabalhador é de R$ 600 ao mês. Os donos de garimpo, segundo a associação local do setor, ganham R$ 3.000 mensais. A Folha visitou túneis onde a pedra é explorada na cidade.
Sem proteção nos olhos e ouvidos, os garimpeiros passam o dia escavando a rocha com uma espécie de britadeira, em galerias com 1,60 m de altura e 150 metros de extensão, em média. Explosões feitas para ampliar as galerias lançam nuvens de poeira no túnel que levam horas para se dissipar.
O pó liberado nas explosões e pelas britadeiras é o principal causador de problemas pulmonares. Precauções como máscaras passaram a ser adotadas apenas nos últimos anos. O ex-garimpeiro Moreira diz que nunca usou equipamentos de proteção, como botas e máscaras. Depois de 20 anos de trabalho, foi obrigado a deixar a atividade há dois anos, por ordem médica. Ofegante, diz que trabalhou com mineração por falta de opções na cidade.
Também aposentado às pressas, com silicose, Doralino de Castro, 63, diz que metade de seus ex-colegas de mina teve problemas pulmonares. Ele trabalhou 30 anos no garimpo.

Transplante
O médico Sabino Bertão, que atua na cidade, diz que costumava atender pelo menos um novo caso da doença por semana quando trabalhou para o SUS (Sistema Único de Saúde).
"A cidade se diz a capital mundial da ametista, mas pode virar a capital mundial da silicose." Para ele, o transplante de pulmão, pela alta complexidade, não é uma alternativa viável para quem contraiu a doença. Outros problemas na exploração das minas apontados pelos médicos são lesões nos olhos por detritos, desvios de coluna e mutilação em acidentes com explosivos.
A direção da cooperativa que reúne garimpeiros e donos de minas na região diz que vem investindo em segurança. Segundo a entidade, os garimpeiros são regidos pela legislação de trabalhadores autônomos e pagam contribuição à Previdência. O órgão define a relação entre donos de minas e garimpeiros como "parceria".


Colaborou CAIO GUATELLI , repórter-fotográfico


Texto Anterior: Veja como calcular a dedução do doméstico
Próximo Texto: Ametista atrai crianças em busca de renda
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.