São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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ENCRUZILHADA

No ano passado, o buraco atingiu o recorde de US$ 805 bilhões; países asiáticos terão papel importante

Déficit americano divide analistas e dita rumo global

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Quanto tempo mais os Estados Unidos poderão sustentar seu enorme déficit com o resto do mundo é a pergunta que mais tem dividido os economistas que se dedicam a fazer prognósticos para o futuro. "Por mais uma década pelo menos", respondem os otimistas. "Nem mais um ano", dizem os pessimistas.
Dependendo de quem estiver certo, haverá a continuidade de um período de alto crescimento mundial com baixas taxas de juros ou uma freada na economia global, em decorrência da elevação dos juros norte-americanos.
Qualquer que seja a resposta, ela depende muito do que acontece do outro lado do mundo, particularmente na Ásia, onde estão os principais financiadores dos bilhões de que os EUA precisam para fechar a diferença entre o que produzem e o que consomem.
No ano passado, o buraco atingiu o recorde de US$ 805 bilhões, o equivalente a 6,4% do PIB e 20,5% a mais que o déficit em conta corrente de 2004. A novidade é que os EUA conseguiram financiar a diferença sem precisar elevar de maneira acentuada sua taxa de juros para atrair capital.
Os defensores da tese de que o déficit é sustentável por muitos anos afirmam que existe um novo arranjo financeiro internacional, pelo qual países asiáticos em ascensão adotam um câmbio fixo e desvalorizado em relação ao dólar para sustentar uma estratégia de desenvolvimento baseada nas exportações. Com os dólares obtidos nas crescentes vendas externas, essas nações compram títulos norte-americanos, financiando o déficit dos Estados Unidos.
Entre os asiáticos em ascensão, a China ocupa um lugar de destaque. Em fevereiro, o país ultrapassou o Japão e passou a deter o maior volume de reservas internacionais do mundo, com US$ 854 bilhões. A maior parte desses recursos está aplicada em Títulos do Tesouro norte-americano.
Esse acordo tácito foi batizado de "Bretton Woods 2", em referência ao pacto firmado depois da Segunda Guerra Mundial, pelo qual Europa e Japão atrelaram suas moedas ao dólar.
A principal estrela desse grupo é Michael Dooley, que usou pela primeira vez a expressão em estudo escrito em 2003 com outros dois economistas, David Folkerts-Landau e Peter Garber.
Professor da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e conselheiro econômico do Deutsche Bank, Dooley acredita que o "Bretton Woods 2" vai sobreviver por mais dez anos, nos quais o mundo continuará a crescer muito com baixas taxas de juros.
No extremo oposto estão os que apostam no desmonte do acordo que permite o financiamento barato do consumo norte-americano. O efeito seria a alta da taxa de juros, a desvalorização do dólar e a desaceleração mundial, com conseqüências para todas as economias, incluindo a brasileira.
Para os mais pessimistas, a relação simbiótica entre Estados Unidos e China chegou a seu limite, com o agravamento dos desequilíbrios que provoca. A dúvida é saber se o acordo será desfeito de maneira suave ou violenta.
Stephen Roach, economista-chefe do Morgan Stanley, vê na correção do desequilíbrio global o principal risco para 2006 e 2007. "Eu não acredito que esse arranjo é desejável ou sustentável da perspectiva dos dois principais atores da nova simbiose -China ou Estados Unidos", escreveu Roach em suas previsões para 2006.
Em sua opinião, há um risco considerável de o crescimento global abandonar o patamar de 4% do último ano e voltar à "zona perigosa" dos 2,5% a 3%.
Tão ou mais pessimista é Nouriel Roubini, da Stern School of Business da Universidade de Nova York, que no início de 2005 deu um prazo de dois anos para o colapso do "Bretton Woods 2".
Roach acredita que os chineses -e os demais asiáticos- estão subsidiando o consumo nos Estados Unidos e provocando uma valorização artificial dos ativos. Entre eles estão os imóveis, que estariam inflando uma bolha cujo estouro é inevitável. O megainvestidor George Soros, por exemplo, acredita que a bolha irá explodir em 2007, o que jogará os EUA em uma recessão.
Outro problema é a administração, pelos chineses, de reservas de US$ 854 bilhões, valor que supera o PIB brasileiro. A compra desses dólares pelo BC eleva a quantidade de yuans em circulação, que são retirados do mercado com a emissão de títulos públicos.
Mas esse processo de "esterilização" não é total, o que aumenta a quantidade de dinheiro no mercado. Com isso, a bolha chinesa é inflada e ocorre superinvestimento, crescimento excessivo e valorização artificial de imóveis. Em algum momento, isso será corrigido, dizem os pessimistas.
Para evitar o eventual colapso, William Cline, do IIE (Institute for International Economics) defende uma ampla negociação global, pela qual os países asiáticos valorizariam suas moedas e os EUA se comprometeriam a zerar seu déficit fiscal em quatro anos. Cline batiza esse acordo de "Plaza 2", em referência ao "Plaza 1", de 1985, pelo qual Europa e Japão valorizaram suas moedas.


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