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ENCRUZILHADA
No ano passado, o buraco atingiu o recorde de US$ 805 bilhões; países asiáticos terão papel importante
Déficit americano divide analistas e dita rumo global
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Quanto tempo mais os Estados
Unidos poderão sustentar seu
enorme déficit com o resto do
mundo é a pergunta que mais tem
dividido os economistas que se
dedicam a fazer prognósticos para o futuro. "Por mais uma década pelo menos", respondem os
otimistas. "Nem mais um ano",
dizem os pessimistas.
Dependendo de quem estiver
certo, haverá a continuidade de
um período de alto crescimento
mundial com baixas taxas de juros ou uma freada na economia
global, em decorrência da elevação dos juros norte-americanos.
Qualquer que seja a resposta, ela
depende muito do que acontece
do outro lado do mundo, particularmente na Ásia, onde estão os
principais financiadores dos bilhões de que os EUA precisam para fechar a diferença entre o que
produzem e o que consomem.
No ano passado, o buraco atingiu o recorde de US$ 805 bilhões,
o equivalente a 6,4% do PIB e
20,5% a mais que o déficit em
conta corrente de 2004. A novidade é que os EUA conseguiram financiar a diferença sem precisar
elevar de maneira acentuada sua
taxa de juros para atrair capital.
Os defensores da tese de que o
déficit é sustentável por muitos
anos afirmam que existe um novo
arranjo financeiro internacional,
pelo qual países asiáticos em ascensão adotam um câmbio fixo e
desvalorizado em relação ao dólar
para sustentar uma estratégia de
desenvolvimento baseada nas exportações. Com os dólares obtidos nas crescentes vendas externas, essas nações compram títulos norte-americanos, financiando o déficit dos Estados Unidos.
Entre os asiáticos em ascensão,
a China ocupa um lugar de destaque. Em fevereiro, o país ultrapassou o Japão e passou a deter o
maior volume de reservas internacionais do mundo, com US$
854 bilhões. A maior parte desses
recursos está aplicada em Títulos
do Tesouro norte-americano.
Esse acordo tácito foi batizado
de "Bretton Woods 2", em referência ao pacto firmado depois da
Segunda Guerra Mundial, pelo
qual Europa e Japão atrelaram
suas moedas ao dólar.
A principal estrela desse grupo é
Michael Dooley, que usou pela
primeira vez a expressão em estudo escrito em 2003 com outros
dois economistas, David Folkerts-Landau e Peter Garber.
Professor da Universidade da
Califórnia em Santa Cruz e conselheiro econômico do Deutsche
Bank, Dooley acredita que o
"Bretton Woods 2" vai sobreviver
por mais dez anos, nos quais o
mundo continuará a crescer muito com baixas taxas de juros.
No extremo oposto estão os que
apostam no desmonte do acordo
que permite o financiamento barato do consumo norte-americano. O efeito seria a alta da taxa de
juros, a desvalorização do dólar e
a desaceleração mundial, com
conseqüências para todas as economias, incluindo a brasileira.
Para os mais pessimistas, a relação simbiótica entre Estados Unidos e China chegou a seu limite,
com o agravamento dos desequilíbrios que provoca. A dúvida é
saber se o acordo será desfeito de
maneira suave ou violenta.
Stephen Roach, economista-chefe do Morgan Stanley, vê na
correção do desequilíbrio global o
principal risco para 2006 e 2007.
"Eu não acredito que esse arranjo
é desejável ou sustentável da perspectiva dos dois principais atores
da nova simbiose -China ou Estados Unidos", escreveu Roach
em suas previsões para 2006.
Em sua opinião, há um risco
considerável de o crescimento
global abandonar o patamar de
4% do último ano e voltar à "zona
perigosa" dos 2,5% a 3%.
Tão ou mais pessimista é Nouriel Roubini, da Stern School of
Business da Universidade de Nova York, que no início de 2005 deu
um prazo de dois anos para o colapso do "Bretton Woods 2".
Roach acredita que os chineses
-e os demais asiáticos- estão
subsidiando o consumo nos Estados Unidos e provocando uma
valorização artificial dos ativos.
Entre eles estão os imóveis, que
estariam inflando uma bolha cujo
estouro é inevitável. O megainvestidor George Soros, por exemplo, acredita que a bolha irá explodir em 2007, o que jogará os
EUA em uma recessão.
Outro problema é a administração, pelos chineses, de reservas de
US$ 854 bilhões, valor que supera
o PIB brasileiro. A compra desses
dólares pelo BC eleva a quantidade de yuans em circulação, que
são retirados do mercado com a
emissão de títulos públicos.
Mas esse processo de "esterilização" não é total, o que aumenta
a quantidade de dinheiro no mercado. Com isso, a bolha chinesa é
inflada e ocorre superinvestimento, crescimento excessivo e valorização artificial de imóveis. Em algum momento, isso será corrigido, dizem os pessimistas.
Para evitar o eventual colapso,
William Cline, do IIE (Institute
for International Economics) defende uma ampla negociação global, pela qual os países asiáticos
valorizariam suas moedas e os
EUA se comprometeriam a zerar
seu déficit fiscal em quatro anos.
Cline batiza esse acordo de "Plaza
2", em referência ao "Plaza 1", de
1985, pelo qual Europa e Japão valorizaram suas moedas.
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