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OPINIÃO ECONÔMICA
Alca e vocação colonial
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Como é recente, leitor, o passado remoto! Escrevendo em
1811, no "Correio Braziliense", o
pai do jornalismo brasileiro, Hipólito da Costa, referiu-se nos seguintes termos ao governo português, então sediado no Brasil: "Os
ministros portugueses, quando
(...) sacrificam os interesses de sua
pátria, desculpam-se sempre com
o capcioso subterfúgio de dizer
que a nação (...) não pode resistir
às grandes potências. (...) É meramente uma capa com que procuram encobrir a sua ignorância e o
não saberem manejar os negócios
de que se encarregam".
Passaram-se quase dois séculos,
mas o subterfúgio continua o
mesmo. A cada momento, os ministros brasileiros referem-se à
"correlação de forças" (leia-se: o
poder dos EUA) para tentar justificar as suas atitudes subalternas.
Em todos os ministérios relevantes, pululam figuras especializadas em construir carreiras confortáveis à custa do interesse nacional.
Lembro as palavras do grande
Hipólito da Costa a propósito das
negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Por
incrível que possa parecer, e a despeito dos sinais claríssimos de que
os EUA estão cada vez mais protecionistas e menos dispostos a fazer concessões, as negociações
continuam.
Na semana passada, reuniões
na Venezuela definiram alguns
pontos importantes relativos à Alca. As negociações prosseguem
nos dias 12 e 13 de maio, no Panamá. Aproveitando-se da fraqueza
e da covardia da maioria das lideranças latino-americanas, os
EUA forçam a continuação dos
entendimentos nos temas do seu
interesse.
Ao mesmo tempo, o Executivo e
o Congresso dos EUA vão estabelecendo, sem a menor cerimônia,
restrições mais severas ao comércio internacional e novas medidas de defesa das suas empresas
contra a concorrência estrangeira. No final da semana passada,
por exemplo, o Senado e a Câmara dos EUA anunciaram um
acordo para ampliar os já elevados subsídios aos agricultores
norte-americanos ao longo dos
próximos seis anos.
No curto prazo, um dos objetivos dos negociadores dos EUA na
Alca é criar o maior constrangimento possível para o governo
brasileiro que será eleito no final
deste ano. Nas reuniões na Venezuela, estabeleceu-se que os países
integrantes de uma eventual futura Alca terão que entregar até
15 de janeiro de 2003 (15 dias depois da posse do novo governo
brasileiro) as suas propostas de liberalização de mercados em cinco áreas cruciais: bens industriais,
agricultura, serviços, compras governamentais e investimentos diretos estrangeiros. Estabeleceu-se,
também, que as tarifas de importação de referência para a abertura comercial serão aquelas que estiverem em vigor em 15 de janeiro
de 2003 ou as que forem consolidadas na OMC (Organização
Mundial do Comércio) até fins de
2004, prevalecendo as que forem
mais baixas.
Decididamente, o próximo governo brasileiro não terá muito
tempo para respirar. Tanto mais
que as metas dos EUA são, segundo se noticia, extremamente ambiciosas. No que diz respeito, por
exemplo, a investimentos, os EUA
querem que seja concedido igual
tratamento ao capital estrangeiro
e ao capital nacional. Quanto a
compras governamentais, a pretensão norte-americana é que as
regras da Alca se apliquem não só
em nível federal mas também aos
governos estaduais e municipais.
Não podemos perder de vista,
leitor, que isso tudo está acontecendo depois que a Câmara de
Representantes dos EUA concedeu ao Executivo, em fins de 2001,
um mandato negociador muito
limitado, que praticamente retira
da negociação da Alca todos os
principais temas de interesse do
Brasil, como já foi explicado em
artigos anteriores publicados nesta coluna.
E ninguém, no governo brasileiro, parece fazer a pergunta óbvia:
o que é que o Brasil ainda está fazendo nessa mesa de negociações?
Não é verdade que o Brasil não
possa defender decentemente os
seus interesses. Mas, como dizia
Hipólito da Costa, se os nossos representantes têm razão em dizer
que a nação não pode sustentar a
sua independência, então "deixem de ser Governo Soberano e
metam-se debaixo da tutela de
alguma potência".
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras
nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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