São Paulo, domingo, 2 de maio de 1999

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SERVIÇOS
Avaliação é de especialista em privatização, ao analisar o papel das agências reguladoras e o caso da Telefônica
Conflitos em telefonia tendem a crescer

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

A privatização no setor de telecomunicações não acaba com as questões políticas associadas à operação de grandes empresas que atuam em setores de infra-estrutura. Ao contrário, surgem novas questões políticas que devem gerar mais conflitos.
Essa é a opinião de Ricardo Tavares, pesquisador brasileiro que participa do projeto " A Economia Política da Privatização e Regulação das Telecomunicações no Brasil", no Instituto das Américas, na Universidade da Califórnia, em San Diego, EUA, com apoio da Fundação Tinker. Tavares é doutorando em relações internacionais na mesma universidade.
Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista à Folha.
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Folha - O Brasil começa a ter alguma experiência com agências reguladoras. Como você avalia o papel dessas agências no caso da economia brasileira?
Tavares -
A introdução das chamadas "agências reguladoras independentes" no quadro institucional brasileiro ainda é bastante recente e, sem dúvida, representa um passo fundamental no processo de reforma do Estado. O investimento privado nos setores de infra-estrutura vai depender muito mais da performance dessas agências do que de flutuações macroeconômicas conjunturais. As agências reguladoras procuram assegurar que os direitos dos consumidores e os interesses nacionais sejam garantidos.
Folha - O que é mais importante numa agência setorial? A regulamentação em defesa do consumidor ou a formulação de diretrizes que, em última análise, equivalem a alguma forma de política industrial?
Tavares -
Bem, essa é uma pergunta muito delicada e difícil de responder. É claro que agências reguladoras, em princípio, não têm nada a ver com política industrial. Mas a minha visão é que, nesse particular, ninguém tem as mãos totalmente limpas. A FCC americana, por exemplo, fez uma enorme concessão de canais de televisão de alta definição gratuitamente! Isso vai permitir às atuais redes de tevê multiplicarem o número de canais, por meio do uso da nova tecnologia. Para mim, isso é política industrial para criar competitividade da indústria dos EUA na área de tevê de alta definição. Mas trata-se de uma decisão regulatória. O próprio BNDES está desenvolvendo incentivos financeiros à localização de indústrias de equipamentos de telecomunicações no Brasil e à continuidade no mercado das centrais de comutação como a Trópico, que usam tecnologia criada pelo CPqD da Telebrás e têm uma penetração atual de quase um terço do mercado.
Folha - Temos agora o problema com a Telefônica. Você tem acompanhado? Poderia dar a sua própria avaliação desse episódio?
Tavares -
Eu tenho acompanhado o problema da Telefônica, ainda que a uma certa distância. A empresa, assim como outras operadoras estaduais, foi multada tanto pelo Ministério da Justiça quanto pela Anatel devido à baixa performance e ao corte de serviços de um grande número de consumidores paulistas. A multa da Anatel me pareceu bem interessante, porque estabeleceu pagamentos da empresa aos consumidores lesados pelo corte de serviços, em vez de ao governo. O caso da Telefônica chama a atenção porque a qualidade dos serviços da Telesp caiu após a privatização; essa é uma situação diferente da Telerj, no Rio de Janeiro, que sempre teve problemas sérios. Haverá muitos outros conflitos -é da natureza do setor e, em especial, do momento de transição que o Brasil está atravessando. O excelente resultado do governo no leilão da Telebrás transferiu recursos das empresas para o governo em detrimento dos consumidores. Ou seja, as empresas pagaram alguns bilhões de dólares ao governo federal para comprar partes do Sistema Telebrás, e agora estão diante de incentivos muito fortes para cortar pessoal e despesas rapidamente a fim recuperar o investimento.
Folha - A regulação, no caso, conviverá agora com uma CPI?
Tavares -
O sistema regulatório criado com a Lei Geral de Telecomunicações de 1997 não dá -por razões históricas- autonomia regulatória aos Estados na área de serviços básicos de telecomunicações. No entanto, no Brasil temos um sistema político federalista. A Assembléia Legislativa está de certo modo ocupando um vazio institucional, dada a ausência de poder regulatório estadual nessa área. Eu não sei se não seria mais conveniente formalizar algum tipo de poder regulador sobre as redes locais para comissões estaduais de regulação de serviços públicos, em vez de deixar as questões regulatórias se politizarem nos Estados. É muito importante que a Telefônica ponha a sua casa em ordem, a fim de evitar uma histeria contra a privatização. A Telefônica, com os seus problemas, está abrindo grandes oportunidades para competidores entrarem no mercado.
Folha - Nos EUA, tem havido uma reversão da onda de desmembramento das Baby Bells.
Tavares -
O que está acontecendo é que o mercado, que sempre foi segmentado (mercado local, longa-distância/internacional, celular/PCS, TV a cabo, serviços de Internet), está se fundindo. As empresas querem oferecer um pacote só com todos esses serviços e uma única conta a pagar.
Folha - Poderá ocorrer algo semelhante no Brasil, depois desta fase inicial da privatização?
Tavares -
Tenho certeza que sim, em dois ou três anos.



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