São Paulo, segunda-feira, 02 de julho de 2007

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Tarifa x câmbio


O que estávamos fazendo desde os anos 1930 sem saber era neutralizar doença holandesa com tarifas

O BRASIL e a Índia suspenderam em boa hora as negociações da Rodada Doha por não concordarem tanto com a pequena redução dos subsídios aos produtos agrícolas oferecida pela União Européia e os Estados Unidos quanto com a grande diminuição das tarifas industriais que demandavam. As concessões nessa última matéria que havíamos feito já eram excessivas. Dada a contínua apreciação da taxa de câmbio brasileira, não há espaço para redução das tarifas industriais. Como o governo não tem conseguido fazer a taxa de câmbio retornar para um nível competitivo para a indústria, deveria, como aliás tem feito, aumentá-las em certos casos.
A doença holandesa sempre existiu no Brasil rico em recursos naturais, mas foi neutralizada entre 1930 e 1990. Desde a abertura comercial e financeira de 1990-92, porém, deixamos de ter a neutralização necessária, e, nos últimos cinco anos, o problema se agravou devido ao grande aumento do preço das commodities.
A forma mais racional de transformar essa "maldição dos recursos naturais" em uma bênção, como de fato ela é, é estabelecer uma contribuição de exportação sobre os produtos que lhe dêem origem, dessa forma deslocando para cima sua curva de oferta; se a contribuição for igual à diferença entre a taxa de câmbio necessária para manter competitivas indústrias usando tecnologia no estado da arte e a taxa de câmbio rebaixada que viabiliza os bens beneficiados pelos recursos naturais, a doença holandesa estará neutralizada porque aquela diferença desaparecerá. Os fundos obtidos deverão ser usados para criar um fundo internacional que sirva de seguro para os produtores.
Entretanto, se o governo não tiver poder para isso, a alternativa incompleta para proteger o mercado interno da concorrência de empresas que não são mais eficientes que as brasileiras é a das tarifas. A medida é incompleta porque as indústrias protegidas não poderão exportar, mas, pelo menos, não perdem o mercado local.
Sou defensor da liberalização comercial, mas, na segunda metade dos anos 1980, quando dei início ao processo no Ministério da Fazenda, não estava claro para mim o problema da doença holandesa. Como a indústria brasileira não era mais recente, entendi que o argumento da indústria infante não se aplicava mais.
Eu estaria certo se as tarifas fossem mero protecionismo, mas não eram. O que estávamos fazendo desde os anos 1930 sem saber era neutralizar a doença holandesa. Se não existisse a apreciação artificial do câmbio causada por essa brutal falha de mercado que é a doença holandesa, não haveria razão para proteger a indústria nacional com tarifas. Não há, entretanto, nenhuma outra explicação para a contínua apreciação da taxa de câmbio brasileira sem que as exportações de commodities caiam.
Nossa doença holandesa não é tão grave quanto a dos grandes exportadores de petróleo. A apreciação que provoca não chega a inviabilizar toda a indústria (por isso os interessados estarão sempre buscando "provar" que ela não existe), mas a prejudica gravemente. E impede que o país cresça a taxas compatíveis com a prosperidade mundial dos últimos cinco anos.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br

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