|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Tarifa x câmbio
O que estávamos fazendo desde os anos 1930 sem saber era neutralizar doença holandesa com tarifas
|
O BRASIL e a Índia suspenderam em boa hora as negociações da Rodada Doha por
não concordarem tanto com a pequena redução dos subsídios aos
produtos agrícolas oferecida pela
União Européia e os Estados Unidos
quanto com a grande diminuição
das tarifas industriais que demandavam. As concessões nessa última
matéria que havíamos feito já eram
excessivas. Dada a contínua apreciação da taxa de câmbio brasileira, não
há espaço para redução das tarifas
industriais. Como o governo não
tem conseguido fazer a taxa de câmbio retornar para um nível competitivo para a indústria, deveria, como
aliás tem feito, aumentá-las em certos casos.
A doença holandesa sempre existiu no Brasil rico em recursos naturais, mas foi neutralizada entre 1930
e 1990. Desde a abertura comercial e
financeira de 1990-92, porém, deixamos de ter a neutralização necessária, e, nos últimos cinco anos, o
problema se agravou devido ao
grande aumento do preço das commodities.
A forma mais racional de transformar essa "maldição dos recursos naturais" em uma bênção, como de fato ela é, é estabelecer uma contribuição de exportação sobre os produtos
que lhe dêem origem, dessa forma
deslocando para cima sua curva de
oferta; se a contribuição for igual à
diferença entre a taxa de câmbio necessária para manter competitivas
indústrias usando tecnologia no estado da arte e a taxa de câmbio rebaixada que viabiliza os bens beneficiados pelos recursos naturais, a doença holandesa estará neutralizada
porque aquela diferença desaparecerá. Os fundos obtidos deverão ser
usados para criar um fundo internacional que sirva de seguro para os
produtores.
Entretanto, se o governo não tiver
poder para isso, a alternativa incompleta para proteger o mercado interno da concorrência de empresas que não são mais eficientes que as brasileiras é a das tarifas. A medida é incompleta porque as indústrias protegidas não poderão exportar, mas,
pelo menos, não perdem o mercado
local.
Sou defensor da liberalização comercial, mas, na segunda metade
dos anos 1980, quando dei início ao
processo no Ministério da Fazenda,
não estava claro para mim o problema da doença holandesa. Como a indústria brasileira não era mais recente, entendi que o argumento da
indústria infante não se aplicava
mais.
Eu estaria certo se as tarifas fossem mero protecionismo, mas não
eram. O que estávamos fazendo desde os anos 1930 sem saber era neutralizar a doença holandesa.
Se não existisse a apreciação artificial do câmbio causada por essa
brutal falha de mercado que é a
doença holandesa, não haveria razão para proteger a indústria nacional com tarifas. Não há, entretanto,
nenhuma outra explicação para a
contínua apreciação da taxa de câmbio brasileira sem que as exportações de commodities caiam.
Nossa doença holandesa não é tão
grave quanto a dos grandes exportadores de petróleo. A apreciação que
provoca não chega a inviabilizar toda a indústria (por isso os interessados estarão sempre buscando "provar" que ela não existe), mas a prejudica gravemente. E impede que o
país cresça a taxas compatíveis com
a prosperidade mundial dos últimos
cinco anos.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
Texto Anterior: Município quer contrapartidas para compensar impacto ambiental e social Próximo Texto: Comércio eletrônico deve ter alta de até 50% ao ano Índice
|