São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Continuidade e continuísmo

STEFAN BOGDAN SALEJ

Definitivamente não é uma prática política brasileira mudar muita coisa quando mudam os governos. Durante o processo eleitoral indicam-se sempre novas atitudes e novos rumos, como base das promessas de campanha. Em algumas áreas da economia, no entanto, parece não haver, por parte dos candidatos, disposição ou clareza para promover transformações. Isso apesar de os vários segmentos econômicos e a população de modo geral deixarem claro o que querem e o que não querem mudar.
Alguns temas estão em aberto. Não estão claras, por exemplo, as opiniões e propostas dos candidatos quanto às privatizações. Elas foram boas para o país? Não foram? Como serão de agora para a frente? E não está suficientemente claro qual será o papel do Estado na economia (não se confunda, a propósito, com "papel do Governo" na economia). Dessa definição vai resultar maior ou menor grau de privatizações ou mesmo a revisão das realizadas.
Independentemente do processo ocorrido até agora, estamos diante de um mundo novo, de situações novas, que precisam ser consideradas. É o caso do que está acontecendo com o petróleo e seus derivados, com as telecomunicações, um setor em profunda crise em âmbito mundial, com as concessões nas áreas de transporte e energia. Não se trata de criticar o que se fez, mas de pensar na necessidade de atualização dos processos perante novos desafios.
Outro tema que pode ser considerado "batata quente" é a reforma universitária. Não há convergência de opiniões nessa área. Sobram divergências -provavelmente até mais do que no caso da reforma tributária. Mas ninguém se esforça para definir pontos comuns. Há muitas declarações e pouca objetividade. É importante lembrar que as reformas na área da educação, neste governo, apenas começaram. Obtiveram algum sucesso, mas estamos longe de resultados que se sustentem a longo prazo. A continuidade das ações nesse campo será fundamental.
Na área social também há pouco compromisso de continuidade. Pouca atenção se dá a alguns programas sociais bem-sucedidos, por não contarem com organização e poder de pressão, como há no setor econômico, em especial no financeiro. Quanto a algumas iniciativas, como as da bolsa-escola e médico de família, parece que não serão interrompidas. Mas como ficam dezenas de outros programas?
Tivemos um belo exemplo de programa bem-sucedido, tanto do ponto de vista social quanto do econômico, que foi o programa do leite, no governo Sarney. Acabou porque era do governo Sarney. O governo seguinte não foi capaz de corrigir os erros eventuais e distorções operacionais do programa e ter a humildade de continuar com ele. Resultado: as crianças carentes perderam um alimento fundamental para sua saúde, o setor leiteiro ficou enfraquecido, reduziram-se empregos e renda no meio rural. Ganhou a vaidade política.
Há em curso, no Brasil, um programa social que abrange quase 400 municípios, considerado no exterior como o melhor programa social em execução no mundo, em áreas mais pobres. Trata-se do Projeto Alvorada. Os prefeitos dos municípios envolvidos, em sua maioria, estão fazendo um trabalho magnífico de mudança cultural, com relação às formas de tratar a questão da pobreza e do desenvolvimento. O que se vai fazer com esse programa?
Vai virar um novo tíquete-leite? Vai acabar só porque a maioria dos eleitores não está nos grotões beneficiados e não há pressão organizada do mercado financeiro para que continue? E porque os empresários que se dizem socialmente responsáveis também não defendem esses grotões? Seria uma pergunta bem-vinda nos jantares fechados e uma oportunidade para muita gente mostrar que não defende apenas seus cargos e salários.
Muitas outras questões se colocam na ordem da continuidade e do continuísmo. Seria útil que os candidatos a todos os cargos eletivos fizessem uma avaliação do que deve continuar, com melhorias e correções, e do que deve ser abandonado. Seria mais útil ainda para o país que todos nós, eleitores, fizéssemos essa avaliação e a repassássemos aos candidatos -como já fizeram algumas pessoas e entidades empresariais. Dar carta-branca ao continuísmo é, com certeza, pior do que não dar continuidade ao que se tem feito de bom neste país.


Stefan Bogdan Salej, 58, é presidente da Rede Brasileira de Cluster e Competitividade.


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