São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008 |
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CLAUDIO WEBER ABRAMO Abaixo do Equador
O EPISÓDIO da expulsão da construtora Norberto Odebrecht e de Furnas do Equador traz à baila a forma como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financia certas operações no exterior. Recorde-se que as obras realizadas pela primeira empresa e fiscalizadas pela segunda naquele país foram financiadas pelo BNDES. Desde o início da década de 2000 existe nesse banco uma linha de financiamento para empresas brasileiras "exportadoras de serviços". A transação se baseia num artifício contábil. A empresa acerta com o governo de algum país a construção de uma obra de infra-estrutura já associada ao financiamento. Com base no acerto, a empresa vai ao BNDES e toma um financiamento em reais, formalmente para exportar serviços de engenharia. Por sua vez, o país beneficiado passa a dever ao BNDES (em dólares) o montante correspondente à operação. Por fim, o dinheiro usado para custear a obra é lançado como "crédito a receber" pelo Brasil. Argentina, Chile, Equador, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Peru, Venezuela, Namíbia, Angola, Moçambique e outros países tiveram obras públicas financiadas dessa forma. Além do BNDES, o Banco do Brasil também opera mecanismo semelhante, através do ProEx (para financiamento de exportações), com opacidade idêntica à do BNDES. A triangulação implica diversas impropriedades: 1. Trata-se de empréstimos disfarçados a países estrangeiros. 2. A concessão dos empréstimos é fruto de uma combinação entre a empresa "exportadora" e o governo estrangeiro sem que o Estado brasileiro (que, na prática, corre o risco) tenha alguma influência sobre as condições do negócio. 3. Dinheiro público brasileiro está sendo usado para financiar obras no estrangeiro sem nenhum processo concorrencial que permita a participação de outras empresas brasileiras eventualmente interessadas. 4. Nem o Estado nem o público são informados de tais acertos. Não há, no site do BNDES, relatórios sobre os empréstimos. 5. Se o contrato foi arranjado por meio do pagamento de uma propina ao presidente do país receptor, se a obra foi executada em desacordo com as especificações porque isso fazia parte do "acerto", nada disso preocupa o BNDES. Em contraste, quando um banco multilateral (o Banco Mundial, por exemplo) empresta dinheiro a um país, este se obriga a cumprir procedimentos destinados a assegurar máxima competitividade. As concorrências feitas com o dinheiro emprestado são realizadas de acordo com regras que eles, bancos, determinam, e não com regras que cada país define. A idéia é maximizar a eficiência da aplicação financeira, com redução do risco para o banco. Tudo isso é escamoteado pelo BNDES. Além de assumir riscos financeiros decorrentes da precariedade da relação entre a empresa tomadora e o país beneficiado, o BNDES faz vistas grossas quanto ao fato de o Brasil ser signatário de duas convenções internacionais de combate ao suborno transnacional: a Convenção da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e a Convenção de Combate à Corrupção da ONU (Organização das Nações Unidas). Ambos os instrumentos obrigam os países signatários a colocar em prática procedimentos para combater a propinagem transnacional por parte de suas empresas. Ao não se conformar às convenções nem aos princípios de estímulo à concorrência, o BNDES expõe o Estado brasileiro ao risco de financiar a corrupção em negócios internacionais. CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção no país (www.transparencia.org.br). Texto Anterior: Mercado Aberto Próximo Texto: Após ação do BC, banco deve subir juro, diz Bradesco Índice |
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