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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
O expurgo no Ipea
Será lamentável e tragicamente irônico se o Ipea
for destruído na gestão do ministro Mangabeira Unger
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COMENTANDO o desligamento
de quatro pesquisadores do
Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) pouco alinhados com a orientação da nova direção daquele instituto, o presidente
Lula declarou ao jornal "O Globo":
"Mas você há de convir que o Pochmann tem direito de dizer: "Eu quero tal pesquisador comigo e não quero esse". É o mínimo que espero ele
tenha de direito".
Se o Ipea fosse simplesmente um
órgão de assessoramento da Presidência, o presidente teria toda a razão. Mas a unidade do Ipea no Rio de
Janeiro teve uma ação fundamental
na construção do conhecimento
econômico no Brasil, e o corpo de
pesquisadores de uma instituição
dessa qualidade não pode ficar sujeito a escolhas arbitrárias do dirigente
do momento.
Muito do que se sabe sobre a questão da pobreza e da desigualdade no
Brasil e do impacto da educação na
distribuição de renda resulta do trabalho desenvolvido pela equipe de
Ricardo Paes de Barros no Ipea. A
equipe de Paes e Barros também desempenhou um papel essencial na
construção e na avaliação dos programas de transferências condicionais focados nos mais pobres, como
o Bolsa Escola, e na unificação e na
expansão desses programas no Bolsa Família. Paes de Barros combina
em sua pesquisa o uso da melhor
evidência empírica disponível com a
utilização dos melhores métodos estatísticos para a interpretação dos
dados. Mas, como aprender econometria dá muito trabalho, a proposta de focalização foi atacada por economistas heterodoxos -incluindo o
atual presidente do Ipea- como
neoliberal.
Recebo freqüentemente e-mails
de alunos brasileiros interessados
em fazer doutorado em economia
nas melhores universidades americanas. O conselho que dou é que façam o mestrado em um dos bons
centros do Rio de Janeiro: EPGE-FGV (Escola de Pós-Graduação em
Economia da Fundação Getulio
Vargas), PUC (Pontifícia Universidade Católica) ou, para aqueles com
muito talento matemático, o Impa
(Instituto Nacional de Matemática
Pura e Aplicada). Se o aluno está interessado em economia aplicada,
sugiro um estágio no Ipea-Rio. Para
um carioca bairrista como eu, é muito satisfatório ressaltar que a esmagadora maioria dos brasileiros admitidos nos melhores programas de
doutoramento em economia nos
Estados Unidos nos últimos anos,
muitos com bolsas de estudos integrais das próprias instituições, fizeram o mestrado no Rio de Janeiro.
A vergonhosa moção do Conselho Regional de Economia e do Sindicato
dos Economistas do Rio de Janeiro
apoiando o expurgo no Ipea mostra
que, apesar da presença daqueles
centros de excelência, os dirigentes
desses órgãos profissionais são incapazes de produzir um argumento
econômico coerente ou defender a
liberdade de pensamento dos seus
membros. Já registrei em colunas
nesta Folha a minha discordância
com a política monetária do Banco
Central, porém é um absurdo escrever que os quatro economistas
desligados tinham a obrigação de
ser contra "o conservadorismo
alienante do Banco Central".
O Ipea sobreviveu como um importante centro do pensamento
econômico brasileiro mesmo durante a ditadura militar ou em períodos em que o ministro encarregado daquela instituição tinha
pouca sensibilidade à missão de
um instituto de pesquisa. Será lamentável e tragicamente irônico se
o Ipea for destruído na gestão do
ministro Mangabeira Unger, que
fez notável carreira em uma das
mais prestigiosas faculdades de direito do mundo.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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