São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

O expurgo no Ipea


Será lamentável e tragicamente irônico se o Ipea for destruído na gestão do ministro Mangabeira Unger

COMENTANDO o desligamento de quatro pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) pouco alinhados com a orientação da nova direção daquele instituto, o presidente Lula declarou ao jornal "O Globo": "Mas você há de convir que o Pochmann tem direito de dizer: "Eu quero tal pesquisador comigo e não quero esse". É o mínimo que espero ele tenha de direito".
Se o Ipea fosse simplesmente um órgão de assessoramento da Presidência, o presidente teria toda a razão. Mas a unidade do Ipea no Rio de Janeiro teve uma ação fundamental na construção do conhecimento econômico no Brasil, e o corpo de pesquisadores de uma instituição dessa qualidade não pode ficar sujeito a escolhas arbitrárias do dirigente do momento.
Muito do que se sabe sobre a questão da pobreza e da desigualdade no Brasil e do impacto da educação na distribuição de renda resulta do trabalho desenvolvido pela equipe de Ricardo Paes de Barros no Ipea. A equipe de Paes e Barros também desempenhou um papel essencial na construção e na avaliação dos programas de transferências condicionais focados nos mais pobres, como o Bolsa Escola, e na unificação e na expansão desses programas no Bolsa Família. Paes de Barros combina em sua pesquisa o uso da melhor evidência empírica disponível com a utilização dos melhores métodos estatísticos para a interpretação dos dados. Mas, como aprender econometria dá muito trabalho, a proposta de focalização foi atacada por economistas heterodoxos -incluindo o atual presidente do Ipea- como neoliberal.
Recebo freqüentemente e-mails de alunos brasileiros interessados em fazer doutorado em economia nas melhores universidades americanas. O conselho que dou é que façam o mestrado em um dos bons centros do Rio de Janeiro: EPGE-FGV (Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas), PUC (Pontifícia Universidade Católica) ou, para aqueles com muito talento matemático, o Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada). Se o aluno está interessado em economia aplicada, sugiro um estágio no Ipea-Rio. Para um carioca bairrista como eu, é muito satisfatório ressaltar que a esmagadora maioria dos brasileiros admitidos nos melhores programas de doutoramento em economia nos Estados Unidos nos últimos anos, muitos com bolsas de estudos integrais das próprias instituições, fizeram o mestrado no Rio de Janeiro.
A vergonhosa moção do Conselho Regional de Economia e do Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro apoiando o expurgo no Ipea mostra que, apesar da presença daqueles centros de excelência, os dirigentes desses órgãos profissionais são incapazes de produzir um argumento econômico coerente ou defender a liberdade de pensamento dos seus membros. Já registrei em colunas nesta Folha a minha discordância com a política monetária do Banco Central, porém é um absurdo escrever que os quatro economistas desligados tinham a obrigação de ser contra "o conservadorismo alienante do Banco Central".
O Ipea sobreviveu como um importante centro do pensamento econômico brasileiro mesmo durante a ditadura militar ou em períodos em que o ministro encarregado daquela instituição tinha pouca sensibilidade à missão de um instituto de pesquisa. Será lamentável e tragicamente irônico se o Ipea for destruído na gestão do ministro Mangabeira Unger, que fez notável carreira em uma das mais prestigiosas faculdades de direito do mundo.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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