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VINICIUS TORRES FREIRE
Renda zero
Zero é a renda de 1,5 milhão
de famílias; rendas "sociais"
crescem cada vez mais que a
do trabalho entre os pobres
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O DINHEIRO que vem do trabalho é uma proporção cada
vez menor dos rendimentos
das famílias brasileiras, em especial
nas muito pobres. Em 2006, a fatia
de "outras fontes" de renda que não
as do trabalho ou de aposentadorias
e pensões deu um pulo impressionante. Nas famílias do fundo do poço social, as 10% mais pobres, o trabalho era 54% do rendimento total,
contra 65% em 2004 e 76% em
2001. "Outras fontes" passaram de
18% em 2001 para 37% em 2006.
Os números foram calculados a
partir de dados da Pnad de 2006, publicada neste ano, por Lena Lavinas,
da UFRJ, e André Cavalcanti, do IBGE. São uma microamostra de uma
pesquisa muito mais ampla, em andamento, a respeito de como o Estado recolhe e redistribui renda. Por
ora, é possível resumir aqui apenas
algumas hipóteses sobre a nova decomposição da renda familiar.
De 2001 a 2006, a renda dos 10%
mais pobres foi a que mais cresceu:
56% em termos reais. Mas a renda
média dessas famílias era de R$
131,38 mensais em 2006, ou R$
34,77 per capita. Exatamente
1.468.142 famílias, ou 3.485.305 pessoas, declararam renda zero. ZERO.
A renda média declarada de "outras fontes" cresceu para todas as
faixas de renda até 80% das famílias.
No caso dos até 20% ou 30% mais
pobres, é possível atribuir tal incremento a "rendas mínimas", entre
elas Bolsa Família. É notável a disparidade entre o crescimento da
renda do trabalho e a de "outras fontes" entre as famílias mais pobres.
No décimo mais pobre, o trabalho
rendeu mais 18% entre 2001 e 2006;
a renda de "outras fontes" subiu
226%. No Nordeste, a renda do trabalho subiu 7,7%; "outras fontes",
245%. O trabalho era 74% da renda
em 2001 e 48,9% em 2006; "outras
fontes", 23% e 49,2%, respectivamente. No Sudeste, "outras fontes"
também cresceu, mas de 6,3% para
13,8% da renda familiar.
O emprego formal no Nordeste
cresceu só um pouco abaixo da média do país; a renda do trabalho na
região cresceu mais que nas demais,
de 2001 a 2006 (e ainda é só 47% da
registrada no Sudeste). Mas a renda
do trabalho da metade mais "rica"
das famílias nordestinas cresceu
mais que a da metade mais pobre (o
inverso ocorreu no Sudeste).
Falha, pois, a inclusão dos "inempregáveis" ao mercado, em especial
em regiões mais pobres. Houve é sucesso razoável das transferências de
renda focalizadas (que foram de
0,45% a 0,96% do PIB no período),
apesar de o INSS ter tido mais impacto na redução geral da pobreza
do que os programas focalizados, diz
Lavinas. Mas cresceu a parcela de
crianças pobres: 44,6% para 47%.
Os impostos tornam-se mais regressivos: anti-sociais. Lavinas e Cavalcanti ainda estão estimando o peso efetivo dos tributos para cada
classe de renda. Outros cálculos tentativos indicam que impostos indiretos, mais regressivos, pesam de
15% a 20% no consumo do décimo
mais pobre, de 7% a 10% no caso de
famílias de renda mediana e de 2% a
4% no décimo mais rico. Impostos
indiretos (ICMS, Cofins, CPMF
etc.) são os que mais têm crescido
-3,5 a 4 pontos percentuais do PIB
de 1995 para 2006. Trata-se de uma
redistribuição perversa e oculta de
renda para cobrir rombos de péssimas políticas fiscais e monetárias.
vinit@uol.com.br
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