São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Renda zero


Zero é a renda de 1,5 milhão de famílias; rendas "sociais" crescem cada vez mais que a do trabalho entre os pobres

O DINHEIRO que vem do trabalho é uma proporção cada vez menor dos rendimentos das famílias brasileiras, em especial nas muito pobres. Em 2006, a fatia de "outras fontes" de renda que não as do trabalho ou de aposentadorias e pensões deu um pulo impressionante. Nas famílias do fundo do poço social, as 10% mais pobres, o trabalho era 54% do rendimento total, contra 65% em 2004 e 76% em 2001. "Outras fontes" passaram de 18% em 2001 para 37% em 2006.
Os números foram calculados a partir de dados da Pnad de 2006, publicada neste ano, por Lena Lavinas, da UFRJ, e André Cavalcanti, do IBGE. São uma microamostra de uma pesquisa muito mais ampla, em andamento, a respeito de como o Estado recolhe e redistribui renda. Por ora, é possível resumir aqui apenas algumas hipóteses sobre a nova decomposição da renda familiar.
De 2001 a 2006, a renda dos 10% mais pobres foi a que mais cresceu: 56% em termos reais. Mas a renda média dessas famílias era de R$ 131,38 mensais em 2006, ou R$ 34,77 per capita. Exatamente 1.468.142 famílias, ou 3.485.305 pessoas, declararam renda zero. ZERO.
A renda média declarada de "outras fontes" cresceu para todas as faixas de renda até 80% das famílias. No caso dos até 20% ou 30% mais pobres, é possível atribuir tal incremento a "rendas mínimas", entre elas Bolsa Família. É notável a disparidade entre o crescimento da renda do trabalho e a de "outras fontes" entre as famílias mais pobres.
No décimo mais pobre, o trabalho rendeu mais 18% entre 2001 e 2006; a renda de "outras fontes" subiu 226%. No Nordeste, a renda do trabalho subiu 7,7%; "outras fontes", 245%. O trabalho era 74% da renda em 2001 e 48,9% em 2006; "outras fontes", 23% e 49,2%, respectivamente. No Sudeste, "outras fontes" também cresceu, mas de 6,3% para 13,8% da renda familiar.
O emprego formal no Nordeste cresceu só um pouco abaixo da média do país; a renda do trabalho na região cresceu mais que nas demais, de 2001 a 2006 (e ainda é só 47% da registrada no Sudeste). Mas a renda do trabalho da metade mais "rica" das famílias nordestinas cresceu mais que a da metade mais pobre (o inverso ocorreu no Sudeste).
Falha, pois, a inclusão dos "inempregáveis" ao mercado, em especial em regiões mais pobres. Houve é sucesso razoável das transferências de renda focalizadas (que foram de 0,45% a 0,96% do PIB no período), apesar de o INSS ter tido mais impacto na redução geral da pobreza do que os programas focalizados, diz Lavinas. Mas cresceu a parcela de crianças pobres: 44,6% para 47%.
Os impostos tornam-se mais regressivos: anti-sociais. Lavinas e Cavalcanti ainda estão estimando o peso efetivo dos tributos para cada classe de renda. Outros cálculos tentativos indicam que impostos indiretos, mais regressivos, pesam de 15% a 20% no consumo do décimo mais pobre, de 7% a 10% no caso de famílias de renda mediana e de 2% a 4% no décimo mais rico. Impostos indiretos (ICMS, Cofins, CPMF etc.) são os que mais têm crescido -3,5 a 4 pontos percentuais do PIB de 1995 para 2006. Trata-se de uma redistribuição perversa e oculta de renda para cobrir rombos de péssimas políticas fiscais e monetárias.

vinit@uol.com.br


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