São Paulo, quarta-feira, 03 de janeiro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Plano de Ação Conservador


Nova marca do governo Lula, Programa de Aceleração do Crescimento é maquiagem da letargia e do continuísmo


O GOVERNO LULA 2 talvez possa ser melhor que o discurso da segunda posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas foram muito conservadoras as palavras do presidente reempossado. Lula 2 conserva o espírito de Lula 1. E não só.
O discurso de Lula 2 foi conservador no modo de ajuizar a relação entre problemas sociais e econômicos. Foi conservador ao ignorar mais uma vez que permanece intocada a configuração da economia que lhe deixou FHC. Foi conservador por não apresentar plano de inovação institucional. Foi conservador ao conceituar cidadania. Foi conservador em qualquer sentido da palavra.
Para começar, considere-se o que Lula 2 chamou de "cidadania". O governo não distribui "migalhas", disse, ao rebater críticas ao paternalismo distributivista: distribui "cidadania". Mas tomar parte da cidadania é participar do sistema de instituição de direitos civis, políticos, econômicos e sociais. E exercê-los.
O que significa isso? Ter direito de influência política concreta (mais do que voto), direito a independência econômica (trabalho), de não ter sua liberdade tolhida pelo Estado ou por bandidos, de ter acesso a informações bastantes para ser livre e capaz na política e no universo da economia (isto é, ter educação e acesso ao debate público sobre o governo) etc. Bolsa Família e programas afins são lenitivos para os casos de exclusão da cidadania e, em si mesmos, não criam acesso aos direitos de cidadão.
Lula 2 não projeta mudança na economia, em suas ineficiências e injustiças; na configuração dessa economia que em essência não difere daquela resultante das ações e do contexto do período Itamar-FHC.
O padrão de distribuição da propriedade é o mesmo. O relacionamento financeiro e comercial com o resto do mundo é o mesmo. A regulação do mercado é a mesma. O padrão de gasto público segue a mesma tendência. A melhoria das contas externas é muito mais resultado de uma exuberância no comércio e na liquidez mundiais do que de ações de governo. A participação do trabalho na renda nacional é praticamente a mesma ou menor.
A economia, por si mesma, continua a produzir desigualdade. A concentração de renda diminuiu, muito pouco, devido a um padrão insustentável de aumento de despesa pública e ao fato de setores mais integrados ao mercado terem perdido renda (pois o país não cresce).
Lula 2 reafirma a distinção entre política social e econômica. Reafirma, talvez sem o saber, o conceito de "rede de proteção social". Quer dizer: quase nada se pode fazer na política econômica a não ser deixar a economia desregulamentada seguir seu curso; os "danos colaterais" de tal programa seriam amenizados pela assistência social focalizada.
Lula 2 não propõe mudança institucional relevante. Tratou vagamente de uma reforma tributária praticamente inviável ou viável apenas em longo prazo e de uma reforma política que, pelo que se sabe, tem cheiro de remendo para o vexame moral de seu primeiro governo.
O resto de Lula 2 é mudança marginal, se tanto. Prioridade? Distributivismo. Programa forte para mudar a condição econômica no Nordeste e periferias? Nada. Introduzir inovação sistemática na economia e educação? Nada. Nada. Nada.

vinit@uol.com.br


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