São Paulo, domingo, 3 de janeiro de 1999

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VISÃO DE FORA
Do conselho à linha de montagem

MERTON MILLER
² Neste texto, analisaremos a forma pela qual o comando corporativo de empresas, em seu sentido mais amplo, se traduz em eficiência administrativa no sentido mais estrito -como ir da sala do conselho à linha de montagem.
A sala do conselho de uma empresa jamais pode ser negligenciada; eficiência administrativa não é algo que surja de forma espontânea. Alguém precisa estar no comando. Alguém precisa dizer que as pessoas que dirigem uma determinada operação estão tendo um mau desempenho e devem ser substituídas por executivos melhores. Ou, com um pouco mais de otimismo, que um grupo específico de executivos está se saindo tão bem que deveria receber recursos e responsabilidades maiores.
O mesmo se aplica, evidentemente, ao próprio conselho. No sistema de comando corporativo adotado nos EUA e na Inglaterra as respostas são dadas pelos mercados de ações. A mensagem transmitida pelas mudanças nos preços das ações de uma companhia é em parte uma questão do setor a que a empresa pertence.
Quando há um boom de construção, os preços das ações das companhias que produzem cimento provavelmente estarão em alta. É assim que o mercado sinaliza que mais recursos deveriam ser dirigidos à produção de cimento. Mas, se todas as ações de companhias produtoras de cimento, exceto uma, estiverem subindo, o mercado sinaliza que a administração daquela companhia deixa a desejar quanto à realização do pleno potencial da empresa.
Esse julgamento pode ser pronunciado por acionistas ultrajados ou assumir a forma de uma tomada hostil de controle acionário por empresas ou investidores externos. De qualquer maneira, o ponto é que, nesse sistema, tudo, até mesmo o conselho diretivo, tem de enfrentar o teste do mercado. Há um mercado de comando corporativo, assim como os há para todas as mercadorias.
Ao enfatizar o sistema anglo- americano, não quero sugerir que sua principal alternativa, o sistema alemão-japonês, dominado pelos bancos, não tem como fazer o julgamento necessário a respeito da eficiência com que uma empresa esteja sendo dirigida. Se os bancos são bons e eficientes, esse sistema pode funcionar razoavelmente bem. Banqueiros treinados e experientes, afinal, têm certa capacidade de avaliar oportunidades de negócios e executivos de empresas.
Mas, e se não tiverem? Como saber se os banqueiros estão trabalhando direito? Não há como: eles constituem um grupo fechado, que seleciona seus membros e cerra fileiras quando um erro se torna público. Os recentes escândalos corporativos na Alemanha e no Japão, bem como o desempenho relativamente estagnado de ambas as economias ao longo dos últimos anos, demonstrou que esse sistema certamente não é receita automática de sucesso industrial.
Mas, embora o sistema anglo- americano, orientado pelos mercados de ações, seja claramente melhor, na minha opinião continua em questão como estender essas vantagens da sala do conselho aos recessos mais profundos de uma organização. Como podemos dizer se mais recursos deveriam ser colocados à disposição de uma unidade ou divisão específica? E como decidir se devemos fechar uma unidade ou substituir seus executivos? Frequentemente, não há leitura de preços de ações que oriente decisões nem sobre as divisões importantes, para não falar de subunidades menores. É por isso, eu poderia acrescentar, que muitos grandes conglomerados norte-americanos vêm deliberadamente estabelecendo divisões inteiras como companhias independentes, que o mercado é mais capaz de julgar e avaliar. Isso também ajuda a eliminar uma das maiores fontes de desperdício nas sociedades industriais, os chamados "subsídios cruzados"; ou seja, a transferência de fundos dos setores lucrativos de uma empresa para setores não-lucrativos que tenham poderosos defensores.
Mesmo uma empresa que funcione bem como independente, porém, por mais disposta que esteja a enfrentar o teste do mercado, deve de alguma maneira converter o preceito geral em regras específicas para orientar e avaliar seus executivos nos níveis inferiores. Como fazê-lo quando não há mercado de ações que se aplique a esses níveis? A resposta é abordar o problema da maneira como um mercado de ações avaliaria a operação se existisse naquele nível.
Obviamente, não há um conjunto simples e geral de receitas a implementar para realizar essa tarefa. Mas é surpreendente como basta começar a pensar em termos de simular o procedimento de um mercado de ações para que as empresas comecem a ver (e, portanto, a evitar) grandes fontes de ineficiência em suas organizações em todo o mundo, como o entendimento incorreto de objetivos.
Mencionarei dois de meus exemplos favoritos desse problema generalizado, que gosto de chamar de "função de critério imprópria nas decisões delegadas". Alguns anos atrás, caiu o prédio da prefeitura na cidade de Smolensk, na antiga União Soviética. A investigação mostrou que o colapso foi causado pela instalação de um imenso candelabro decorativo, que era muito pesado. E por que era pesado demais? Porque as metas de produção da fábrica de candelabros que o produziu eram definidas em termos de toneladas de candelabros ao ano. O gerente da fábrica tinha todo o estímulo para fazer cada candelabro tão pesado quanto possível -o que ele fez, com os inevitáveis e infelizes resultados descritos.
Exemplos desse tipo eram encontrados em toda parte na antiga URSS, é claro; metas administrativas expressas em termos de número de unidades produzidas eram a norma por lá. Mas problemas essencialmente semelhantes quanto a metas impróprias podem surgir para empresas que trabalhem em economias de mercado.
Um banco em Chicago exigia que todos os seus supervisores de agências apresentassem um relatório sempre que os funcionários precisassem fazer horas extras (recebendo um adicional de 50%, sob a lei norte-americana) para eliminar trabalho burocrático atrasado. Executivos espertos, porém, rapidamente aprenderam a evitar esses relatórios e as críticas que eles provocavam por parte de seus superiores: eles contratavam mais funcionários e, assim, horas extras nunca eram necessárias. É verdade que a solução era perdulária e ineficiente. Os executivos apenas pagavam por horas ociosas, em lugar de pagar pelas extras. Mas horas ociosas não deixam marcas.
Estabelecer metas em termos físicos pode às vezes fazer sentido para os operários em uma fábrica, mas jamais para executivos ou pessoas com poder de decisão. Mas, apresso-me a acrescentar, os incentivos perversos e as regras de remuneração vinculadas a um desempenho malconduzido não estão limitados aos setores de produção. Os imensos desastres relacionados a maus empréstimos que afligiram o sistema bancário japonês podem ser vinculados, em última análise, à política das instituições de remunerar os executivos com base no número de empréstimos realizados, com pouca atenção à probabilidade de pagamento correto do dinheiro devido.
Casos de incentivos distorcidos como esses, temo, não são raros ou excepcionais no mundo dos negócios. Será que podem ser completamente eliminados? Provavelmente, não; mas podem ser conservados sob melhor controle se forem reproduzidos em miniatura na organização os mesmos princípios e pressões que as Bolsas aplicam sobre os principais executivos e o conselho da empresa.
A remuneração e a promoção não devem depender só de mensurações físicas de desempenho, mas de quanto valor econômico está sendo adicionado à companhia. Porque é isso, essencialmente, que as mudanças nos preços das ações causam: alterações no presente valor de uma empresa com respeito ao seu futuro valor adicionado.
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Tradução de Paulo Migliacci
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Quem é
MERTON H. MILLER
² norte-americano, 75 anos, doutor em economia pela Universidade Johns Hopkins, é professor emérito de finanças da Graduate School of Business da Universidade de Chicago (EUA).





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