São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma nova agenda econômica

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A economia brasileira esteve, nos últimos oito anos, sob o comando de um grupo de economistas de corte liberal radical. Oriundos na sua maioria da PUC do Rio de Janeiro, escola que assumiu a liderança do pensamento econômico liberal moderno no Brasil a partir do último governo militar, comandaram os passos da estabilização e da abertura de nossa economia, a partir de 1994. No primeiro mandato de FHC havia no governo um segundo grupo que tinha uma forma diferente de pensar o Brasil. Liderados por José Serra, hoje candidato do governo à Presidência da República, e o ex-ministro Sérgio Motta, essas pessoas tinham muitos pontos em comum com o grupo da PUC. Estabilidade da moeda, equilíbrio fiscal, política monetária independente para garantir o controle da inflação, abertura ao comércio exterior e redução da intervenção direta do Estado na economia. Esses eram alguns dos itens dessa agenda de consenso. Trabalharam juntos, sem muitos atritos, durante o período mais difícil da estabilização, principalmente nos anos de 1995 e de 1996.
Entretanto o sucesso precoce do Real fez com que as diferenças entre os dois grupos aparecessem logo no segundo ano do mandato do presidente. Inicialmente essas divergências estavam centradas na definição de um regime cambial e da política de juros. Questões que, embora eminentemente técnicas, já escondiam a diferença de fundo entre as duas posições: a forma de entender o ambiente econômico que nos cerca e a melhor maneira de o Brasil integrar-se nele.
Para o grupo liberal, o Brasil deveria incorporar-se sem nenhuma precondição ou restrição ao livre funcionamento das forças de mercado. Além disso, o governo deveria restringir sua ação apenas na busca de um equilíbrio fiscal estável e manter a inflação sob controle via uma ação monetária a ser desenvolvida por um Banco Central independente. Esse modelo, chamado de Consenso de Washington, teve na Argentina seu mais brilhante aluno.
Já o segundo grupo -chamado posteriormente pela imprensa de desenvolvimentista, apesar de entender que para um país como o Brasil não há alternativa melhor do que uma economia de mercado aberta- fazia várias qualificações para que isso ocorresse de uma forma eficiente do ponto de vista dos interesses nacionais. As principais eram:
1) O mundo real não segue com rigor os princípios de uma economia de mercado pura, principalmente em relação ao comércio exterior;
2) Para que a economia brasileira pudesse integrar-se nesse mundo globalizado era preciso haver condições microeconômicas internas adequadas, principalmente no que diz respeito aos juros, à disponibilidade de crédito de médio e longo prazos e à estrutura tributária. Sem isso, a competitividade do tecido produtivo brasileiro ficaria prejudicada no confronto, saudável e necessário, com as importações;
3) O Brasil precisava de estabilidade de longo prazo na taxa de câmbio e isso só poderia ser obtido com uma redução importante do chamado déficit em conta corrente externo; para tanto era necessário um esforço estratégico, a ser coordenado pelo governo, de aumento das exportações e de redução do chamado coeficiente de importações via produção interna em setores de tecnologia de ponta;
4) Nas atuais condições da economia brasileira ainda existe a necessidade de uma intervenção limitada do Estado em algumas áreas como agropecuária, infra-estrutura econômica e na absorção de tecnologias de ultima geração.
Com a saída dos desenvolvimentistas do governo em fins de 1998 e início de 1999, o último a deixar o cargo foi o ministro Clóvis Carvalho -o grupo malanista ficou hegemônico, e a política econômica do segundo mandato de FHC passou a ser totalmente gerida em função de seus valores. Os resultados foram muito ruins. O crescimento econômico foi medíocre, o dólar oscilou muito, os juros continuaram elevados e a renda dos brasileiros caiu constantemente no período. Agora, com a proximidade das eleições, todos perceberam que os ganhos de renda e de homogeneização social trazidos pelo Plano Real desapareceram. A imprensa escrita tem tratado exaustivamente desse tema nos últimos dias. As pesquisas eleitorais mostram o estrago dessa estagnação de renda na avaliação que os brasileiros têm hoje do governo.
Com a aparente adesão do PT de Lula ao modelo dos desenvolvimentistas e a candidatura do ex-ministro Serra como a proposta de continuidade do governo FHC, o Brasil tem uma oportunidade nova para buscar o desenvolvimento. O trabalho de estabilização da moeda e institucionalização de um modelo mais racional de gestão fiscal nos Estados e no governo federal será a grande herança desses últimos oito anos. O desafio do crescimento sustentado de nossa economia pode vir a ser um grande sucesso em função das reformas desses oito anos de FHC. Mas é preciso mudar a agenda.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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